sábado, 27 de novembro de 2010

Usurpando

Já que por esses dias pouco movimentados assunto é algo escasso para este autor aqui, e não quero pisar nesses terrenos cujas trilhas já estão tão percorridas que já não passam de um lamaçal intrasponível, como a ação da polícia no Rio ou sobre o grau de escolaridade dos deputados (de todos, e não apenas do palhaço); tendo em vista, também, que não é caso para rir, mesmo. Prefiro aproveitar o espaço aqui hoje para largar uma espécie de isca para os nossos leitores, despejando, fora de contexto mesmo, um trecho de livro. Mas sem fazer grandes revelações sobre o enredo, ou o contexto, ou levantar teorias que possam contaminar uma leitura desprovida de qualquer interesse, senão o interesse pela leitura pura e simplesmente divertida.
Não um livro qualquer, de qualquer bundão que anda colocando tinta no papel, ou despejando alguns bytes de informação eletrônica no meio virutal e se dizendo escritor mesmo assim.
Mas, como a arte de falar sobre algo também é considerada uma forma de arte, mesmo que aquele que fala sobre esse algo não seja capaz de fazê-lo, vamos dar graças a Deus pela bomba atômica e aproveitar um excerto do "Alguma coisa mudou" do Joseph Heller. Especialista em criar metáforas para a condição humana, comparações e intersecções de leitura mesmo antes da moda dos estudos comparativos etc.
Espero também que meus leitores me considerem um pouco mais inteligente por chegar aqui e assumir descaradamente que li alguns livros. Se não mais inteligente, pelo menos um pouco mais culto do que pareço, pô!
Mas, autocomiserações e autoironias deixadas de lado, espero que os leitores deste blog aproveitem o o texto abaixo e o leiam com atenção, pois espero sincera e honestamente que sirva para despertar a busca por este autor.
Para aqueles que já o conhecem e que entenderam ou reconheceram as sutis citações feitas nesta dispensável e interminável introdução espero que façam uma retomada da leitura dos seus livros, e que passem a fazer justiça quanto aos seus "Gold vale ouro" (certo, o título em português é horrendo e deixa passar o duplo sentido que o original traz em si), "Só Deus sabe" e "Imaginem que...", e deixem de olhar tanto (para o genial, admito) "Ardil 22", pois falamos aqui de uma pessoa que consegue caçoar de si mesmo, de rir da própria desgraça sem deixar de provocar uma reflexão profunda.
Por hora deixemos essa lenga-lenga de lado para apreciar o tão esperado excerto, já que o espaço para comentários estará aberto tanto para as devidas discussões, como para as devidas represálias, se bem que estas serão sumariamente deletadas pelo administrador do blog, pelo que responsabilizarei o google ou colocarei a culpa no sistema, mas dessa vez no sistema operacional que acusarei de ter extraviado, convenientemente, os comentários contrários às ideias aqui expostas.
E, obviamente, quando se trata de fazer uma transposição de um texto qualquer, mínimo que seja, de um cara como o Heller, em um espaço qualquer de leitura, a gente sempre fica com medo de que acabe tendo os textos ofuscados pelos seus e até com vontade de abandonar o ofício de escrever. Mas que se dane. Dizer algo assim também já é muita puxação de saco e acaba mandando para o espaço a minha fama de mal-humorado e iconoclasta.

Agora, o trecho de fato:

No meu departamento há seis pessoas que têm medo de mim, e uma secretária que tem medo de todos nós. Há uma outra pessoa que trabalha para mim e que não tem medo de ninguém, nem mesmo de mim. Eu a despediria sem qualquer hesitação, se não tivesse medo dela.

domingo, 14 de novembro de 2010

Paradoxo

Existem listas. LIstas telefônicas, catálogos, listas de espera, mas existem também aqueles livros que mandam ou apenas sugerem que devemos fazer certas coisas e o fazem listando-as. É o caso dos livros do tipo mil e uma coisas antes de morrer. Mil e um discos para ouvir, mil e um filmes para ver etc.
Recentemente vi em uma livraria um livro do tipo, chamado mil e um livros para ler antes de morrer. Cosiderando que no Brasil é muito baixa a média de leitura, mesmo entre estudantes universitários ou pessoas que possuem curso superior, podemos concluir que realmente o livro levará várias pessoas à longevidade. Partindo da hipótese otimista de um livro por ano, para o leitor médio, claro, alguns viverão em média mil e um anos, do que podemos concluir que tal edição prolongará consideravelmente a expectativa de vida no país.
Mas esse pessimismo vicioso me leva a pensar que, no caso da teoria de que o livro realmente faça com que as pessoas vivam mais estar certa, esta será perpetuamente uma nação governada por ignorantes (ironicamente diferente dos dias atuais?), já que aqueles que ainda preservam a leitura entre suas atividades preferidas certamente contabilizarão muitos anos a menos, se comparados com a canalha não leitora. Aquela que prefere ficar em casa assistindo televisão ou coisas do gênero.
Sim, dentre os relacionados figuram alguns indispensáveis de fato, afinal a lista é extensa e, sendo assim, está fatalmente sujeita à lei da probabilidade, como também estaria se fosse menor. Mas como probabilidade não é o nosso assunto favorito e particularmente não sou muito bom com números, por hora deixemos de lado tais levantamentos e conjecturas.
Claro, é uma ótima edição para aqueles que querem blefar, lendo o resumo que consta ao lado de cada título, com um pequeno comentário. Coisa para se fazer em festas, para impressionar, depois de ter bebido além da conta e tentar posar de intelectual incompreendido que acaba bebendo demais por tal incompreensão.
Todavia digo que não devemos confiar em um livro desse tipo, já que em si mesmo não consta o próprio como um dos mil e tantos que devem ser lidos antes do suspiro final do leitor ávido por consultar uma boa lista. Tremenda falta de amor próprio e autoconfiança dos organizadores da edição.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Os tempos, eles estão mudando

Sinal de que os tempos estão mudando é quando os filhos passam a levar os velhos para assistir a um concerto de rock.
Ontem, minha mulher e eu fomos levar meu pai para ver o show do Paul Mccartney em Porto alegre. Ela fez a cobertura fotográfica do evento.
Claro, achávamos que não permitiriam a entrada de pessoas com câmera fotográfica e a advertência no verso do bilhete de ingresso não era suficientemente clara. A advertência era clara apenas no que dizia respeito a não entrar portando qualquer tipo de bebida alcoólica (em garrafas, latas ou assemelhados, já que na pança eles não tinham como averiguar).
Depois de horas na fila nadando em um mar de gente, com um sol que parecia coisa de deserto do Sahara, deixamos meu pai o mais próximo possível do portão de entrada, esperamos o início do show, ouvimos um pouco do lado de fora e fomos embora.
O que segue abaixo é um email que ele enviou para ela agradecendo pelas fotos e comentando a apresentação. O melhor texto que li a respeito até agora. Nada de Bizz, Rolling Stone, Zero Hora ou Veja (se bem que dizer algo assim é como chutar cachorro morto).
Obviamente ambos me deram permissão para publicar por aqui. Então, divirtam-se com o texto do velho.


Oi Bianca,


Legais as fotos. Vou mandar pra todo o mundo. Não posso provar que estive lá dentro, mas que estive no portão posso.
Foi muito bom o show, claro. Depois de 50 anos se apresentando ele deve ter aprendido alguns macetes. Mas é muito simpático com o público. Eu não conseguia levantar as mãos, dar soquinhos no ar, cantar, gritar, dançar ou fazer hu! Hú! como fazem (ainda tenho muitas travas) mas pelo menos aplaudia bastante no final de cada música. E, de qualquer modo, eles tocam muito bem e ele mantém os arranjos como nos Beatles, menos no A Day in the Life, que quando é para entrar a orquestra no fim da música ele emenda com Give Peace a Chance, e posso dizer que aprovei a surpresa. Mas foi só esta no quesito arranjo.
E eu gosto de ver a reação do público (mesmo que eu não tenha coragem para fazer aquilo) participando e toda aquela massa pulando no ritmo.
E o estádio estava lotado. Só parou de entrar gente faltando uns 15 minutos pro início. Não foi como pensei que quando começasse todo mundo iria correr para o gramado. Não tinha espaço para mais ninguém nem no gramado nem na arquibancada, onde fiquei e também lotada. E todo o tempo em pé por que sentado nem pensar. Era todo o mundo praticamente ombro a ombro. No fim eu quase nem sentia mais as pernas, tive medo de cair.
Na saída estavam dando uma edição da zero hora, Paul esteve aqui, e quando fui pegar um exemplar outro velho também pegou (estava acabando) aí ficamos os dois não querendo largar o jornal. Acho que ia dar briga. Aí pensei que seria demais brigar com outro velho na saída de um show tão bom (quando deveríamos estar com a alma leve) na frente de milhares de pessoas. Resolvi abir mão e lá se foi o desgraçado rosnando. Mas ainda tinha umas cópias com os guris e acabei pegando a minha.

A Marlene falou que vocês viram o início e depois o cara sacaneou e fechou o portão.

Obrigado pelas fotos, agora vou mandar pra todo o mundo.

EU ESTIVE LÁ.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Teremos razão um dia

Vitimado pela própria formação acadêmica, pela qual sempre me foi cobrado total domínio sobre a língua portuguesa, morta ou viva. Aproveito o dia de hoje para registrar, acima de tudo para quem me desafiava dizendo que certas palavras não sofriam flexão de gênero e que, principalmente, presidente ficava sempre no masculino, ou seja, é presidente mesmo e nunca haveria uma presidenta, ao menos no sentido ortográfico, pelo que podemos ver agora, digo que presidenta é uma palavra que vai passar a integrar nossos dicionários, não apenas pela ideologia, mas também por obedecer tal regra de modo exato.
Portanto, é a vitória da candidata, mas aproveito a carona para ficar pendurado na porta desse ônibus e gozar meu pequeno momento de triunfo gramatical.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

E a vaca foi pro brejo

As pessoas viajam pelos mais diversos motivos. Há os que viajam por prazer, os que viajam por obrigação, os que viajam a negócios, os que viajam apenas para sair do lugar.
Há os que vão para Londres para ver a Torre Eiffel, os que vão para Paris para conhecer a estátua da liberdade, os que viajam para Nova Iorque para conhecer o Big Ben, os que vão a São Paulo para ver o Cristo Redemptor e os que vão à Bahia apenas para saber se devem usar o acento grave na letra A.
Existem aqueles que viajam para Cuba para dizer que têm pena daquele povo sofrido com tão pouca tecnologia disponível, sem computadores ou carros do ano e que, apesar de por lá já se ter erradicado o analfabetismo há anos, os cubanos não podem se vangloriar porque não têm o futebol entre seus esportes favoritos, mas que, em contrapartida, também tinham um barbudo esquerdista no poder, assim como nós brevemente vamos fatalmente adotar "tínhamos", embora eu prefira "a esquerdista" ou um esquerdista qualquer no poder, já que não foi ela a minha escolhida no primeiro turno, mas daí já são outras pastagens, e o autor do blog adota a política de não falar em política, pelo menos no sentido objetivo da coisa toda.
Claro, também existem aqueles que viajam para reclamar de tudo na volta, para dizer que perderam as malas, foram roubados, a polícia encheu o saco na alfândega, revistou, entrevistou, não deixou passar, mandou dar volta e que os nativos do lugar foram mal educados e antipáticos, ao invés de sorridentes e bricalhões como devem ser os nativos dos outros lugares. Além, evidentemente, de ter chovido durante a viagem inteira.
Já eu aqui, não. Sou daqueles que preferem jornadas interiores e que andam pouco para ver a vaquinha assunto do texto anterior, que acham que a paisagem é que está em movimento e não a pessoa que viaja e que, quando viaja, o faz também no sentido metafórico.
Mas, já que o assunto é a vaca e este ainda não é o ano da vaca, que por aqui não apenas não é considerada sagrada (embora mereça), como também é ela que serve de pasto para os humanos, quando não deveria.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Nova pastagem

Qualquer pessoa que circule pela cidade de Porto Alegre ou então qualquer pessoa que assista televisão, leia jornais etc. e deixe para circular pela cidade de Porto Alegre apenas à distância (há quem goste de fazer visitas à distância, para não ter que sair de casa) deve ter visto pelo menos uma das simpáticas vaquinhas da parada das vacas. Claro, as vacas não andam e talvez justamente por isso o evento tenha sido chamado de "cow parade"; para evitar essa ambiguidade no campo semântico, do tipo parada no sentido de desfile versus parada no sentido de sem movimento.
Mas o fato é que dá para refletir, a partir da presença dessas vacas metaforicamente pastando na paisagem urbana, a respeito da banalização da imagem. Quer dizer: quanto tempo ficarão elas ali, com gente ao redor tirando foto, montando nelas, achando engraçado, achando curioso, achando bonito? Em quanto tempo passarão a compor apenas mais um elemento pelo qual passamos apressados, sem dar uma olhada, tornando-se talvez um obstáculo, passando a não mais causar essa estranheza na paisagem, mas sim a integrá-la? E para mim essa é a reflexão mais interessante despertada pela presença das vacas.
Claro, patrocínios, trabalhos e reflexão artística/filosófica à parte, minha intenção aqui não é pichar uma das vacas, ou prender fogo nelas, ou levar para casa para empreender atividades menos pronunciáveis, ou simplificar as coisas a ponto de dizer que o gaúcho é um povo grosseiro, mal educado e que certos preconceitos têm razão mesmo de existir, como foi dito por aí.
Obviamente mais um resultado da não-marcha das vaquinhas foi a suscitação de tal discussão. O que teria acontecido se fossem colocadas em outra capital? Não podemos dizer, pois não foi outra capital escolhida para sediar esta, digamos, exposição.
Acredito que certas discussões transcendem essa linha óbvia de raciocínio e exigem uma abstração tão grande que talvez uma pessoa comum não esteja preparada para fazer esse tipo de projeção. Neste caso, a projeção é: O que teria acontecido se...? Como teria sido se fosse diferente? Diferente, é claro. Mas semelhante, já que semelhança pode pressupor diferença.
Agora, sobre a questão do preconceito que, comenta-se por aí, é justificável, é como dizer: Tudo bem. Já que as periferias concentram a maior parte das ocorrências criminais devem ser eliminadas, juntamente com todos os habitantes, pois assim não haverá mais lugares e pessoas para que sejam praticados delitos como assaltos, tráfico, consumo de drogas...
Esquecendo, assim, os atos de violência praticados pela burguesia e pelos meios de comunicação que simplificam, reduzem, ofendem e manipulam, muito bem disfarçados de liberdade de expressão.
Vejamos, Porto Alegre sedia a Bienal do Mercosul, a maior feira de livros ao ar livre da américa latina, o Em Cena, possui diversas instituições e atividades culturais que são referências nacionais, não apenas por mero acaso, ou provavelmente não porque seu povo é grosseiro e mal educado. Embora eu já comece a me deixar manipular um pouco por certas opiniões de determinados "brilhantes e geniais" romancistas/jornalistas e passe a pensar que certos eventos acontecem na cidade para ver se a população se contamina um pouco de cultura e inteligência, pega no tranco e sai por aí com um dicionário sob o braço esquerdo para incrementar o vocabulário, dizendo que cultura é saber resolver direito a seção de palavras cruzadas do jornal, preferencialmente de um jornal daqueles, bem pelegos.
Certamente apóio as manifestações artísticas e culturais em todas as suas formas (antes que algum furioso leitor que não tenha entendido certas ironias venha me rotular de reacionário) e a intenção aqui não é pregar o fim das vacas, que devem continuar, claro, mas sim mandar nosso semovente jornalista pastar em outras bandas.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Extinção

Talvez um dia o tatu-bola, o ser humano, o cão doméstico e o gato acabem desaparecendo totalmente, deixando para trás apenas algumas ilustrações em livros de ciência. Quem sentirá falta deles? Talvez ninguém, talvez todos os restantes, aquela forma de vida evoluída que passou a ocupar o lugar que a nós, homo sapiens sapiens, era destinado neste planeta.
O certo é que uma espécie já foi extinta e não ninguém disse nada a respeito. Aquela espécie que ocupava lugar em estantes, mesas de centro das salas de estar. Todas tias velhas ou avós tinham o seu. Ele ficava azul, violáceo ou rosado, dependendo das condições do tempo.
Sim, o galo do tempo foi extinto. Extinto e nenhum caçador pode ser acusado de seu desaparecimento. Substituído por sites da internet, radares e telejornais. Hoje, basta o sujeito procurar um site qualquer de previsão para saber, por exemplo, como vai estar o tempo nos próximos dez dias, a velocidade do vento e a quantidade de chuva, mesmo que seja em Moscou. E sabe-se lá porquê alguém no ocidente precisa saber como anda o tempo em Moscou.
Foi-se o galo do tempo. Claro, ele tinha suas desvantagens. Não dizia qual seria a temperatura do dia, a máxima, a mínima, e nem sempre acertava em suas previsões. Às vezes era simplesmente a umidade relativa do ar que estava mais alta e ele dizia que ia chover, mas obviamente o galo nunca se importou com umidade relativa ou absoluta.
Talvez tenha sido dispensado por alguns atribuírem suas mudanças de cor a uma certa indecisão política, afinal ele não ficava vermelho, ou o vermelho era desbotado demais. Não ficava verde, portanto, não se podia dizer que fosse um nacionalista.
Mas por que foi extinto? Seu caso não era igual ao do pinguim de geladeira, que foi acusado de cafonice, mas que parece estar voltando com força nas revistas de decoração. Nada disso. O galo era pequeno demais para ser notado e também para esse tipo de interferência visual e estética.
Mas sentimos falta do galo do tempo, que levou consigo um pouco da sabedoria popular, um pouco do modo simples de ver a vida, a recordação dos tempos em que não precisávamos de uma infinidade de aparatos tecnológicos para saber se poderíamos ou não sair de casa, dos tempos felizes em que telefone funcionava com fichas e para discar tínhamos que girar aquela roda enorme e pesada, aquele tempo em que a terminação "pédia" era para enciclopédia mesmo, qunado pesquisa se fazia com o nariz enfiado em um livro, tempo em que recortar e colar era para se fazer com revistas velhas, nos trabalhos para o colégio.
Foi-se o galo do tempo e esperamos que não o acompanhe a previsão baseada nas dores dos calos dos mais velhos.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O sistema e o sujeito

Pode ser nada produtivo matar um sujeito, principalmente se o sujeito é o próprio praticante da ação. Desta maneira buscamos uma maneira de auxiliar o leitor, para que possa usufruir como melhor lhe aprouver de um texto, esteja ele em um livro, em um filme, ou mesmo na fala de outra pessoa (sim, estes também são textos com subtextos).
Apesar de também discordar do termo interpretação, já que, em uma de suas acepções pode-se que não passa de interação entre duas pessoas que não usam o mesmo código, logo, escritor e leitor não estariam usando o mesmo código, mas se o leitor é capaz de decodificar, também ele faz uso do que podemos considerar uma mensagem cifrada.
Quando uma leitura de um texto é feita, sempre é discutível a tentativa de afastar do texto o sujeito/leitor, no sentido de uma pessoa com ideias, impressões e vivências. Não mais importa o que a vivência do leitor diz, mas sim o que alguém autoriza-o a dizer, deve trazer para dentro da impressão particular alguém que possa endossar a leitura. Alguém com autoridade para tanto. Isto significa que a subjetividade fica em segundo plano, já que a leitura passa a não representar mais uma experiência sensorial, emotiva, de memória ou de vivência, mas sim uma experiência que busca validação no discurso de algo ou alguma pessoa superior. É como discursar um discurso preparado, com tópicos determinados por uma autoridade que não se sabe exatamente de onde vem, muito menos quem lhe conferiu tais poderes.
A possibilidade de leitura desta maneira nada mais é do que uma perpretação do que chamamos de sistema. E um sistema é algo que, diferentemente de uma regra, é uma barreira que se interpõe entre o sujeito e o meio, já que uma regra não cria uma barreira, uma regra ou lei não proibe, uma regra não diz que não se pode fazer determinada coisa, mas sim que não se deve fazer. Por exemplo: sabemos que não se deve dirigir bêbado, existem leis que desconselham que isto seja feito, mas não dizem exatamente que isto não pode ser feito. Dizem apenas que, caso seja feito, o sujeito deverá arcar com as consequencias impostas pela lei.
Já o sistema age de modo diferente. Há uma proibição que impossibilita, de modo que aquele que é submetido a tal proibição não sabe explicar exatamente por que não pode fazer tal coisa, ou seja, existe apenas uma barreira virtual entre a pessoa e o meio e esta barreira não pode ser transposta, já que não é explicitamente proibitiva nem palpável.
Isto significa que uma lei/regra é algo que age de dentro para fora: o sujeito tem conhecimento de determinada regra, descumpri-la coloca-o em um conflito ético e/ou moral, confrontando valores intrínsecos ao ser e, a partir de tal conflito, é tomada a decisão de respeitar ou não tal regra.
Já o sistema age de fora para dentro: o sujeito tem conhecimento apenas de que há um impedimento, mas não consegue saber quem determina ou porque tal impedimento é determinado.
Tal como fazer uma análise de texto. Há um sistema que impede o leitor de demonstrar sua própria impressão a respeito e, a partir dessa impressão, construir um discurso teórico a respeito do texto enquanto experiência sensorial, o que acaba desconsiderando a pessoa como elemento atuante em um fato literário, talvez mesmo um sistema construido pelo cânone literário que, embora deva ser respeitado, deve ser desconstruído, a exemplo do texto do Mario Quintana que diz que os clássicos escreviam tão bem por não terem os clássicos para atrapalhar. Desconstruído sim, mas não desrespeitado, desrespeitada deve ser essa barreira erigida pelas academias, a qual procura colocar o sujeito leitor em uma posição de passividade, fazendo-o assumir o papel de negociador que tenta estabelecer um diálogo entre o escritor e o teórico de sua escolha, apenas costurando, com suas idéias unindo os retalhos teóricos previamente autorizados.
Portanto, quando é dito que fazemos aqui um exercício de livre escrita, espera-se que o leitor possa se sentir à vontade para exercitar a livre leitura, permeada apenas por sua vivência, experiências e memórias, sem necessidade de manuais ditatoriais de instruções de leitura.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

O pregador louco em ação II.

Bicho ruim realmente é o homem. Não mais do que isto. Apenas o homem, vingativo sobre si mesmo e capaz dos piores e melhores conselhos.
De tal forma:
Apaga com um sorriso a dor que invade o teu coração. Assim teu inimigo não saberá que tramas secretamente dar-lhe um forte pontapé no traseiro na primeira oportunidade.
Também não deixa que ele veja as tuas lágrimas de tristeza, cuspa-lhe diretamente no olho esquerdo ao encará-lo.
Pois a verdade é que não há pessoa capaz de ignorar a própria mágoa, como não há cabra alimentada com má ração que produza bom leite, assim como o pelo da ovelha que se alimenta de más pastagens produz apenas má lã, que produz mau agasalho contra o frio maior. E a rosa que brota bebendo da água poluida produz pétalas falsas que não têm cor viva, mas antes são opacas e escurecidas como os pensamentos dos iníquos.
E de que vale a fama, senão para atrair vários olhares invejosos e insidiosos? Pois não é verdade que mais vale uma quente cama e bom cobertor do que um lugar visível ao vento frio?
E àqueles que te perguntarem se pensas em vingança, diz-lhes: apenas penso em vingança, atiro os maus às fogueiras infernais da minha mente, no verdadeiro inferno metafórico, e esta vingança basta para mim. Ou melhor, não diz nada. Certos recantos da mente por poucos podem ou devem ser vislumbrados.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Aniversário da tia no inverno

Na sala uma tia velha de cara sorridente e avermelhada com as pernas cruzadas mostrando as meias e as polainas marrons e enrugadas cumprimentando todos com alegres e melancólicos "como vais?", ajudando a receber os convidados e os intrusos. Na cozinha, um cheiro de chá de maçã e cravo, uma dona de casa correndo com xícaras de um lado para outro com um olhar de leve desespero e um som de louça quebrando. Da sala voz de algum dos convidados, parente ou não, lembra que ao quebrar três pratos o terceiro trará boa sorte.
Atrasadas, chegam duas primas, uma vestindo uma espécie de bicho morto largado sobre os ombros, de vestido e baton igualmente vermelhos, outra exibindo sorriso e voz estridentes e amarelados. As duas prontas para atacar com afiada língua os demais convidados, alegrias da festa, depois que ela termina.
A televisão ligada com o volume no mínimo. Alguém comenta o que vai acontecer com o vilão da novela. A prima de voz e sorriso estridentes falando sobre as propagandas que assistiu em um canal de vídeo da internet e cantando, de forma despudoradamente desafinada e irritante os jingles das campanhas publicitárias mais recentes, com uma placa de inteligência na testa e um olhar estúpido que denuncia muito mais do que qualquer bandeira. Alguém deixa cair no chão um pedaço de ovo de codorna, que a dona de casa corre para apanhar, mas que é esmagado pelo desavisado pé de um dos tios que contava histórias e vantagens dos bons tempos aqueles.
Na camisa uma mancha de café e logo a seguir o conselho da tia velha com polainas para lavar com um pouquinho de vinagre, que tira qualquer tipo de mancha, menos as manchas das pessoas.
À noite todos vão embora, exceto a dona da festa que fica juntando as louças e os papeizinhos de doce enquanto pensa que é bom fazer aniversário somente uma vez por ano, enquanto o marido dá volume na televisão.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Desagravo

Nessa época de copa do mundo de futebol, em que temos que nos esforçar para conseguir passar à margem dos acontecimentos futebolísticos, já que todos comentam. Comentam com força, paixão e com duvidosa propriedade, mas comentam no trabalho, no ônibus, nas filas dos bancos, lotéricas e da padaria. Tais comentários provam que é difícil ser uma alienado futebolístico, pelo menos por enquanto, quando temos realmente muitos técnicos de futebol por aí acreditando nessa coisa toda.
A verdade é que após uma não muito criteriosa investigação com metodologia de imersão parcial para desvendar o fascínio esse fascínio exercido sobre a maioria das pessoas, podemos perceber que grande parte dele advém de um aparato muito bem talhado de conteúdo matemático e linguístico.
Matemático porque temos invariavelmente as tais estatísticas cabalísticas absurdas, mas que sempre acabam surtindo efeito se combinado com a credulidade popular. Sempre podemos notar o uso de um levantamento de dados muito proveitoso como: nos dez primeiros minutos, dos três primeiros jogos em que a seleção jogou usando a camisa amarela combinada com as meias brancas, os gols foram marcados por zagueiros que foram para a área do adversário para tentar fazer gol de cabeça, mas acabaram marcando com os pés. Claro, tal informação não quer dizer nada, mas a quantidade de números empresta-lhe uma certa autenticidade incontestável.
Linguístico porque pode-se lá fazer uso de uma determinada palavra que até então estava em desuso, relegada a um determinado jargão, mas que justamente por esse uso, obtém aprovação popular e passa novamente a fazer parte do acervo, mesmo que não se saiba exatamente o que tal palavra pretendia expressar inicialmente, obtendo, então, um novo significado, pelo menos no campo da imagem. É o caso de revanche. É falar em revanche para surgir na mente a imagem da seleção derrotando o adversário que o eliminou naquela maldita rodada. Atualmente, o significado de revanche é odiar a Holanda.
Então, basta o fanático por a mão no dicionário Aurélio para atirá-lo ao fogo, por via das dúvidas, já que carrega em si o nome do adversário. Afinal, ninguém quer ser visto como traidor da pátria nessas horas de nacionalismo emergente.
Mas, justamente, nosso propósito hoje é desmitificar e desmistificar essa palavra. Desfazer-lhe a associação injusta com o futebol e colocá-la em seu devido lugar, livrando-a de qualquer imagem negativa. Eis o motivo da existência desta postagem de hoje: revanchar a palavra revanche, para que possamos vê-la (a palavra) alegremente andando por aí, de boca em boca, de ouvido em ouvido, sem que tenha que carregar a culpa ou a vergonha de estar associada a uma partida de futebol e que possa voltar a ser exatamente o que uma palavra é e também para desviá-la do caminho de significado que pretendem que ela tenha, incutindo subconscientemente um significação da palavra através da exposição de uma imagem diversa daquela usualmente aplicada.
Então,

Revanche

É quando a árvore, após a tempestade, sorri e balança os braços alegremente após ter atirado na ventania um de seus galhos sobre o capô de um carro.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Pequenas visões de ócio e trabalho

No trabalho, em um dia cansativo, pesado, cinzento, do tipo que faz qualquer sujeito se arrepender de ter deixado a cama, mesmo que fosse uma cama de enfermaria, dois funcionários conversam sobre o mal humor da chefe:
-Hoje ela está explodindo...
-Então, nada melhor do que dar-lhe uma boa dose de anti-gases.

Ao ser rotulado como candidato ao prêmio de pessoa mais mal-humorada do mundo, o mal-humorado diz para seu pretenso eleitor acusador:
-Realmente é um mundo pequeno, se bem que o mundo é um lugar cujo tamanho e aparência variam de acordo com a inteligência da pessoa que nele vive, podendo ser assutadoramente grande, minúsculo, belo ou horrível.
-Não entendi. O que isto significa?
-Nada. Deixa pra lá. Sou um cara muito mal-humorado.

O mal-humorado é novamente atacado, mas desta vez por um bem-humorado colega de trabalho, justamente no momento em que tentava instalar a nova impressora em seu computador. O bem-humorado lhe diz:
- Você consegue instalar a impressora? Se eu consegui você também conseguirá.
- Pois é, esta é uma impressora tão simples que qualquer idiota é capaz de instalar.
- Não sou um idiota qualquer.
- Tem razão, você é um idiota que sofre de um caso especialmente particular de idiotice.
- Você deve pensar coisas que não ousa dizer.
- É verdade, a mente humana é mais obscura que o mais profundo abismo na face da terra.
- Não. A mente humana é o mais profundo abismo na face da terra.

Descansando, de pernas para o ar, sentia pena de todos que andavam apressados pelas ruas, correndo para cumprir horários, andando com pastas sob os braços, apressadamente e sem olhar para os lados, apenas seguindo adiante para não perder o tempo importante que era de suas vidas, mas a outros pertencia. Olhou então para o calendário, contou os dias restantes das férias e chorou, depois foi para o quarto e quebrou o próprio despertador. Depois, voltou a observar as pessoas apressadas na rua e riu discretamente, como alguém que rouba um doce e consegue se safar sem ser pego pelo confeiteiro. Sabia que era, no fundo, um sádico.

O entusiasta vendedor de eletrodomésticos diz para o freguês:
- Esta é uma máquina maravilhosa, sem a qual ninguém consegue levar uma vida normal. Realmente, facilita a vida de todos e se presta para todos os tipos de serviço, é muito prática, indispensável, porque tem, tem, tem, tem.... Bem, qualquer pessoa tem que ter.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Entre pérolas e diamantes

Envelheço, cresço, me aperfeiçoo e evoluo. Talvez não, talvez apenas envelheça, já que não estou mais em idade de crescimento e evoluir, atualmente, parece significar apenas andar para a frente ou coisa de escola de samba. Como não gosto de carnaval acho que o tempo passa e adquiro apenas velhice.
Mas se a idade me trouxesse algo além da velhice acho que traria um pouco de paciência, já que desgastada alusão a Jó parece não mais fazer sentido para mim.
Então, das várias pérolas a que sou submetido, tal como várias provações às quais foi também submetido o profeta, nada melhor para tirar um estagnado do estado de estagnação do que uma boa e velha dose de burrice alheia.
Em primeiro lugar, na semana em que perdemos o Saramago, o comentário mais inteligente foi justamente aquele que dizia que o mundo ficou mais burro. Claro, estamos acostumados com esse tipo de perda. Perdemos muitos deles antes mesmo de nascer. No meu caso, posso dizer que antes mesmo de nascer já tinha perdido o Kazantzákis, o Eça de Queirós, o James Joyce (cujo feriado em homenagem a um livro seu foi celebrado há pouco). Tenho idade suficiente para ter perdido o Bukowski e mais recentemente perdi o Salinger.
Mas, sobre a perda do Saramago, meu amigo otário expressou muito bem o sentimento de fazer parte de um ambiente em que a cultura não apenas é desvalorizada, como também é hostilizada (e não, hostilizar nada tem a ver com eucaristia), portanto, nada mais tenho a dizer sobre a passagem do autor, sobre a qual pensei em fazer uma postagem de uma página em branco, simbolizando o vazio que a partida de Saramago deixou para a cultura, mas achei que tal metáfora seria um tanto óbvia.
Em segundo lugar, no dia dezesseis de junho deixei, em um site de relacionamento, uma mensagem dizendo: feliz bloomsday, principalmente aos que sabem o que significa, pelo que fui atacado por várias pessoas que me disseram que estavam a merecer os parabéns, já que tinham recorrido a uma conhecida enciclopédia virtual para descobrir o que signficava. Há de chegar o dia em que a internet não trará resposta para tudo e que a solução de todos os problemas do mundo não será apenas uma superficial leitura de um artigo de meia dúzia de linhas escritas anonimamente e publicadas sabe-se lá como. Daí, pessoas como nós, que mantêm o mínimo de gosto pela leitura (sim, leitura de livros, com páginas, índice, capa, cheiro e peso) darão risada do dia em que aqueles que não sabem ao menos escrever o nome do filósofo que dizia que o crescimento exige sairão a correr pelas ruas, escabelando-se, por não encontrar respostas rápidas para copiar e colar através de um comando no teclado. Não, na verdade este dia não há de chegar, mas pensar a respeito é algo mais ou menos divertido.
Mas, já que falamos aqui de exercícios de paciência, gostaria apenas de dizer que a pérola da semana vem de uma pessoa que me disse que tinha cultura, pois escuta uma estação de rádio especializada em música brega (agro-brega, mais especificamente). Claro, isto pode ser visto como um ato hostil à cultura, mas é, principalmente, um ato de hostilidade aos meus ouvidos. E digo mais: tenho cultura pois não ouço músicas no rádio (para ouvir músicas utilizo apenas meu toca-discos), escuto apenas rádio AM, programas de entrevistas e "a voz do Brasil". Não assito televisão também, além de fazer uso da internet apenas para proferir contra-sensos feito este.
Sigamos, portanto, envelhecendo, aperfeiçoando-nos, evoluindo e colhendo tais pérolas por aí. Aliás, se algum leitor tiver alguma para me enviar, melhor que guarde para si, a menos que tenha valor comercial. Neste caso terei prazer em não publicá-la, como também não dividirei o lucro da descoberta.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Explicações necessárias e desnecessárias

Há os que acreditam que meu apontamento de não-objetivos no blog é uma espécie de fuga, uma tentativa de ficar atras da moita sem assumir compromissos com os textos, sem me engajar.
Mas acho que exige um grande esforço escrever algo sem objetivo. Poderia entrar em uma questão recursiva do tipo: o objetivo é não ter objetivos, tal como buscar inspiração para não ter inspiração e, mesmo assim, escrever textos que inspirem algo ao leitor, seja um leve sorriso, raiva, ou dor no estômago.
Mas a verdade é que tenho consciência da carga que isso traz e do quanto isso pode afetar o modo de escrever por aqui. Quer dizer, não-objetivo é algo como fazer um texto sem que ele esteja algemado a um determinado padrão, uma forma, uma corrente, ou a um determinado assunto. Existem aqueles que falam sobre cinema, ecologia, música, artes, literatura, futebol, videogame. Bons textos, claro, falando dos mais úteis aos mais inúteis assuntos, tal como aqueles que fazem colagem de outros autores e deixam apenas uma pequena assinatura, um comentário ínfimo, como se o autor agradecesse por ter sido lembrado.
Mas o que quero dizer com toda essa dialética desfilada e desfiada nos parágrafos iniciais? Justamente preciso dar uma explicação aos meus leitores, principalmente aos que questionam o apontamento de "não-objetivos" deste blog, de que tenho consciência da ironia e talvez até da contradição que isto pode representar e, não atendo-me ao rigor da forma, sigo escrevendo livremente.
Ou poderiam me perguntar, já que não tenho um objetivo escrevendo aqui, não melhor seria não escrever de modo algum? Certo?
Mas eis que explico onde está a graça disso tudo. Posso fazer um exercício livre de escrita, sem estar engajado a movimento algum, para que possa perpertar um exercício livre tanto na forma como no conteúdo.
Alguns podem dizer que covardemente escondo-me na moita da não objetividade e da falta de propósito para não buscar posicionamento político e ideológico. Mas creio que como toda a literatura é algo pertencente muito mais ao leitor/espectador do que ao escritor/artista, já que quem realmente encaminha o texto para seus devidos lugares é a pessoa que lê e não a pessoa que escreve, e também porque acredito que um texto só é realmente do autor enquanto existe apenas em sua mente (no plano metafísico) e que, quando é posto no papel, está acabado, a criatura ganhou vida, abriu-se caixa de Pandora. A esse(a)s que me acusam de covardia, ou que criticam minha postura não objetiva, ou que acreditam que não tenho conseciência do que está escrito, bem como dos motivos que me levam a escrever, digo: qualquer texto de qualquer pessoa traz em si uma idéia do autor, e não do que ou de quem é o autor.
E aí está a resposta necessária e ao mesmo tempo desnecessária para os leitores. O grande não-objetivo é praticar um exercício de excrita livre para que os (poucos, mas importantes) leitores possam praticar, também, um exercício livre de leitura, pois texto algum é tão carente de explicações, já que manual de intruções é para eletrodomésticos.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Por fora da copa e de outras partes também

Poderia dizer muita coisa a respeito da copa do mundo de futebol. Talvez algumas delas ufanistas, outras críticas ou ácidas. Poderia discursar a respeito da identidade nacional, da motivação política e social, questionar a comoção e a alienação causada pelos esportes, fazendo um paralelo entre a política romana de pão e vinho, ou a representação de uma batalha medival através de um jogo de futebol. Poderia até mesmo dizer algo altamente irônico, tal como fez Rubem Braga com relação à exploração lunar. Mas, querendo tomar parte nos fatos e também para que não venham chamar a mim de antidesportista ou algo parecido, faço justamente o oposto, ou quase.
Tendo em vista que os esportes são uma forma de socializar, e porque também desde cedo participei paralelamente das conversas acerca de tal esporte. Digo paralelamente porque ficava apenas escutando o desenrolar da discussão nas rodas de conversa, imaginando uma forma paralela de me infiltrar por ali, feito aquelas crianças que vão para a praia, mas não têm permissão das mães para entrar na água e ficam lá, paradas, com aquele olhar de quem imagina qual a sensação de estar tomando parte daquilo tudo.
Mas a verdade é que, em uma copa do mundo na qual as maiores atrações e os principais alvos das discussões são o nome da bola e umas cornetas barulhentas de nome esquisito, parece que finalmente tenho autorização para participar da conversa e tomar parte nas crônicas esportivas, para o que dou minha contribuição com um jogo paralelo.
Digo jogo paralaelo porque em qualquer tipo de competição, seja ela esportiva, artística ou de qualquer natureza, sempre escutamos a máxima de que o importante é competir.
Claro que competir não é o mais importante, já que o resultado mais justo parece justamente aquele menos desejado: o empate.
Empatar uma partida significa que nenhuma equipe foi superior a outra, significa igualdade, significa que, apesar de todas as diferenças, no fim das contas todos os seres humanos são iguais. Besteira, claro, já que até os comentaristas esportivos poderiam ficar desempregados, o que poderia gerar uma convulsão social, coisa que já nos deixou a todos fartos (tanto os comentaristas quanto as convulsões sociais).
Então, teríamos os cronistas de futebol comentando, por exemplo, um belíssimo empate em zero a zero entre, digamos, Brasil e Holanda (se assim as possibilidades de cruzamento das chaves permitirem) na final da copa. Bom, melhor não dizer que é uma final de copa, mas sim uma partida qualquer entre o início e o fim do campeonato.
Imagino uma crônica sobre tal partida, que seria assim:
Brasil e Holanda (claro, para os jornalistas brasileiros, o seu país vem em primeiro lugar) fizeram ontem uma belíssima partida qualquer entre o início e o fim do campeonato que, resultou em um placar de zero a zero. O primeiro zero foi marcado pela Holanda em um contra-ataque rápido pela esquerda, mas a bola (jabulani) foi afastada pela zaga brasileira, que apesar de não estar muito atenta, conseguiu afastar o perigo.
A seleção reagiu, marcando um belíssimo zero com uma bola (jamelani) que bateu na trave e nas costas do goleiro adversário, mas foi para fora. A Holanda, não se intimidando com a pressão da seleção brasileira, foi ao ataque, marcando um zero de bicicleta, mas a bola (jambolani) ficou com o goleiro. Foi um ótimo jogo, de belíssimos lances, apesar da Holanda ter marcado um zero bastante duvidoso, quando um de seus atacantes chutou a bola (jambalaia) para o meio da arquibancada, danificando uma das cornetas tocadas pelos torcedores.
Evidentemente tal partida não tem muitas possibilidades de ocorrer, e, se acontecesse, seria de profundo desinteresse para os espectadores, torcedores e jornalistas. E, claro, não brotam pés de milho perto de minha janela.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

E se Salomão estivesse por aqui?

Salomão. Todos conhecem a história das duas mães que tinham um filho que deveria ser partido ao meio por uma espada, mas que foi salvo pela verdadeira mãe que impediu que o guri fosse partido e que, por sua vez, foi recompensada por querer o bem da criança, preferindo vê-la longe de si, mas viva, ao invés de tê-la pela metade, mas morta.
Mas pensemos: e se Salomão estivesse andando por aí hoje, o que diria, por exemplo, a respeito das reservas de petróleo, das riquezas naturais, dos recursos hídricos, da concentração de renda, da saúde, da educação, da dignidade?
Diria algo como: partam ao meio e decidam com qual metade cada um há de ficar?
A respeito daqueles que ficam com a melhor parte podemos perguntar: de que vale a boa música para os que não têm bons ouvidos, e de que vale a boa comida para os que não têm bom paladar, assim como de que valem os bons amigos para os que não têm bom coração e de que valem os bons livros para os que não têm bons olhos e boa mente?
Então, para os ímpios, mais vale uma má musica, uma má terra, má comida, maus livros e maus amigos, já que importa apenas a vantagem que se pode tirar disso. E foi no que se transformou o mundo. Não, o mundo não se transformou, transformamos o mundo em um lugar perigoso para viver, com epidemias, violência, experimentos com transgênicos, agronegócio, ganância, arrogância e má literatura.
Então, digamos que partimos o planeta em dois (não proporcionalmente à necessidade de cada parte) e mandamos ao inferno a saúde do principal objeto envolvido, tal como a mãe que não se importou em ver o filho partido em dois.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Imagens de uma mente atordoada ou dicas para assegurar ou segurar sua vaga no merdado de trabalho

O empreendedorismo, doce e belo, que tantas boas sensações desperta, que tanta esperança inspira, que tantas belas histórias revela e que, enfim, tanto renova nosso vocabulário.
Afinal, de onde vieram termos como focar, empregabilidade (no sentido de conseguir trabalho), vestir a camisa (não no sentido da copa do mundo), inserção, missão (não no sentido do filme do Rambo ou daquele com o De Niro) balanço patrimonial, ciclo financeiro, agregar valor e empreendedorismo? Claro, do próprio empreendedorismo. Mas afinal o verdadeiro (bom) empreendedor é aquele que submete seus futuros colaboradores (empregados) a uma boa avaliação psicológica para engressar em sua empresa
Sempre questionei a validade dos testes psicológicos para avaliação das aptidões em empregos, que na verdade deveriam se chamar testes psicodélicos. Vale a pena pensar se quem é testado é o entrevistado ou o entrevistador.
Por exemplo: o sujeito quer se declarar apto a pegar um carro e sair por aí dirigindo ou fazendo todo aquele tipo de loucura que sabemos que certos motoristas fazem, mas no fundo todos são alertados por algum amigo experiente: Não esquece de colocar o chão no bonequinho, não desenha o boneco com as mãos nos bolsos. E lá vai o testado e coloca chão no boneco que abana as mãos, mas está sem cabeça. Claro, tudo muito útil para o futuro motorista.
Outro método bastante conhecido é o Rorschach, cujo nome é difícil de escrever e pronunciar. Mas é um teste muito simples que avalia a reação da pessoa, seu grau de agressividade, dentre outras coisas. Mas basicamente consiste de manchas simétricas, nas quais invariavelmente a pessoa testada vê algo, geralmente pornográfico, mas sempre dá a melhor resposta possível para o psicólogo/avaliador, como uma linda borboleta, coelhos dançando, uma árvore, etc.
Quanto aos desenhos, digo que posso imaginar uma infinidade de situações: eu caminhando, eu sentado lendo um livro, eu eu voando, eu com metralhadora, eu sem metralhadora, eu com a cabeça embaixo do braço, ou simplesmente e mais racionalmente, eu de frente olhando para a câmera desenhística.
Mas vai chegar um tempo em que as empresas testarão a honestidade. Não, não testarão honestidade coisa nenhuma, os entrevistados usarão de sua honestidade para pleitear vagas no mercado de trabalho e aumentarão sua empregabilidade (que é uma nova palavra oriunda do vocabulário empreendedorístico) e, obviamente, ao desenhar cenas relacionadas a determinadas palavras reagirão assim:
Trabalho: uma pessoa nadando em um mar sem fim, sem nenhuma possibilidade de terra à vista no horizonte para qualquer um dos lados, com um imenso tubarão arrancando-lhe os pedaços.
Colega de trabalho: uma pessoa sentada em uma cadeira, de frente para um computador, ou uma pessoa sentada em uma cadeira, numa sala escura, de frente para um computador, com um sujeito com cara de maníaco pronto para dar-lhe uma facada nas costas.
Chefe: um enorme dragão de três cabeças cuspindo fogo por uma delas e nas outras duas mastigando várias pessoas. Claro, em tal teste, o otimista faria apenas uma pequena variação do desenho. Desenhar-se-ia como o cavaleiro que derrotou tal dragão e agora sobre seu corpo aginizante pisa triunfante e está pronto para desferir o golpe mortal e levar uma de suas presas como troféu.
Empresa: um grande e assustador moedor de carne humana, no melhor estilo "the wall" do pink floyd. Pelo que, claro, sempre poderá responder ao entrevistador, caso este não aprecie o desenho, que estava apenas pensando que a música é ótima.
Paz: o enorme dragão morto, com o moedor de carne humana pegando fogo e o herói da cena anterior saindo sorrateiramente com uma caixa de fósforos no bolso, obviamente com a mão fora do bolso, já que no desenho percebe-se apenas o relevo da caixa no bolso.
Claro que todas essas possibilidades de desenho são muito relativas e cada um deve procurar sua melhor forma de expressar sua criatividade na hora da entrevista, mas aconselho que esqueça de desenhar-se voando ou algo assim, já que os entrevistadores desenvolveram métodos bastante eficazes contra os espertalhões dissimulados que tentam enganá-los na hora da entrevista e claro, na hora do Rorschach, não diga coisas como "estou vendo um casal transando", ou "estou vendo uma vagina" (empregando, obviamente, o termo chulo para vagina) e diga simplesmente: Não vejo nada, acho melhor partir para o oftamologista. Aliás, esta empresa oferece plano de saúde?
E assim, com essas dicas de como se comportar em entrevistas, está garantida sua inserção no merdado de trabalho, até que submetido possa se tornar um empreendedor e sair empreendendo por aí.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Cemomeração

Já que feito bom desmemoriado esqueci de lembrar da passagem do aniversário de um ano deste modesto espaço, aviso aos leitores que não esqueci de escrever e publicar coisas (textos) por aqui. Apenas estou preparando a grande promoção de um ano de Douto & Profano. Como podem notar, já passei a grafar o título do blog com "&", no melhor estilo Lennon & Mccartney; Jagger & Richards; Delaney & Bonnie; Tom & Jerry; Didi, Dedé, Mussum & Zacarias, e assim por diante.
Aliás, no período de cemomeração do aniversário do blog, os comentários dos leitores serão publicados, ao invés de sumariamente excluídos como de costume, até atingir a marca de um milhão de visitas, pelo que não será distribuído prêmio algum, mas será engraçado ver este espaço com um número tão expressivo de visitas, já que ultimamente nem o próprio autor o tem visitado.
Aliás, antes que algum revisor/corretor de plantão queira comentar a respeito do título desta postagem, aviso que é proposital, já que comemoração significa lembrar junto, ter uma memória em comum (o que prefiro fazer apenas com as pessoas mais íntimas, especialmente com ela), que deve ser visitada, respeitada, celebrada, adorada, e também porque como já disse, tenho esquecido de escrever aqui (o que me leva a crer que deveria ser desmemoração, ou outro troço qualquer complicado de se falar), lanço eu minha própria nova palavra em nosso revolucionado, vilipendiado, agredido, fornicado (e tantos outros adjetivos pomposos que não consigo lembrar agora) acervo lexical.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Historietas parafrásticas com ou sem sentido algum

Pequenas histórias patéticas experimentais escritas com a intenção de fazer uso de certas referências unilaterais, ou a fim de provar que pode-se dizer qualquer absurdo, sem que isto pareça necessariamente um disparate, ou a fim de não provar nada, mas sim provocar.

Ruy Ibiranguó, a quem todos chamavam simplesmente de Ruy, exceto no seu emprego, onde era chamado de Ibiranguó pelos colegas, ou de "aquele incompetente" pelo chefe, e de Bira por seus parentes, exceto por aqueles que achavam que Bira era mais adequado para algum Ubirajara, e por sua mulher que chamava-o de vários nomes, dependendo da ocasião, saiu de casa para comprar cerveja, mas ao chegar no mercado percebeu que não bebia, principalmente cerveja. Então, comprou apenas um pacote de comida para gatos, deu volta para casa, mas lá chegando percebeu que não tinha gatos. Deu volta para o mercado e trocou o pacote de ração para gatos por um pacote de ração para cachorros, mas chegando em casa percebeu que não tinha cachorro. Voltou ao mercado e trocou o pacote de ração para cachorros por um pacote de sabão em pó, mas chegando em casa percebeu que mandava suas roupas para a lavanderia. Outra vez deu volta, trocou o pacote de sabão em pó por um frasco de xampu anti-caspa, mas chegando em casa lembrou que não tinha caspas. Retornou outra vez e trocou o anti-caspa por um frasco de xampu normal, mas ao chegar em casa percebeu que era careca.
Dizem que Ruy passa os dias indo da sua casa para o supermercado e do supermercado para casa, sem encontrar algo que tenha utilidade para si.

José Malafastião, a quem todos chamavam de Zé Repoulho, assim conhecido por beber muita cerveja, ou por adicionar uma letra "u" antes do dígrafo "lh" (pronunciava carvaulho, baraulho, toaulha, etc.), ou por se espeidorrar muito, ou por outro motivo desconhecido qualquer, saiu de casa para cortar o cabelo.
Chegando na barbearia perguntou ao barbeiro:
- Ô meu, quantos mango sai pra cortá as minhas melena?
O barbeiro riu. Zé Repoulho, irritado, advertiu:
- Se tu tá rindo porque não sacou qualé a minha, fico de boa. Mas se tu tá te arriando em mim vou te dar um sacode, te acertar na pança e aí tu vai ficar pregado no chão.

Marieta Ermengardina não tinha apelidos, não tinha filhos, não tinha marido, não tinha pais, não tinha avós, não tinha certidão de nascimento, não tinha corpo, não tinha alma. Era apenas o sopro de uma vaga idéia de criação na mente de um escritor qualquer.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Foto cinco


Não, esta foto não contém mensagens subliminares ou conteúdo político. Não é alguma forma de arte engajada, mas bem que poderia sinalizar algo no que se refere à corrupção.

Foto quatro


Também corresponde à descrição. Acredito que a identificação não será difícil já que tem um elemento textual que, de certa forma, prende sempre a atenção das pessoas. Gosto particularmente do tom de azul do céu e da luminosidade que um dia ensolarado de inverno oferece.

Foto três


A foto número três é a foto número três mesmo. Uma das minhas preferidas.

Foto dois

Sei que a foto número dois não corresponde àquela descrita antes, mas como tive alguns problemas de arquivo (arquivo físico mesmo), resolvi colocar por aqui uma outra, que considero bastante poética.

Foto um.


Foto já previamente descrita aqui.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Se fosse bom...

Sei que me propus à não escritura e postagem de auto-ajuda por aqui. Sei que conselhos tendem à pieguice e que os adágios populares servem apenas para justificar uma determinada atitude ou para delimitar a ação da pessoa ou de um grupo de pessoas em um contexto definido. Também sei que ando sem inspiração para escrever sobre assuntos sérios, e não saudosista a ponto de publicar algo sobre o passado, e sem perspectiva para escrever sobre algum plano futuro, e mal humorado demais para fazer qualquer tipo de humor, mesmo que bobalhão, e revoltado demais para com a política para dizer algo politicamente praticável ou crítico à respeito da situação política, e desesperado demais para dar esperança para alguém, e lógico demais para divagar, e devagar demais para acompanhar o tempo, e prostrado demais para trazer algum ânimo para quem quer que seja, e sóbrio demais para praticar a embriaguez, e ético demais para a difamação, e preguiçoso demais para a movimentação, e prosaico e objetivo demais para escrever poesia, e poético demais para fazer prosa, e solitário demais, achando que minha própria compania deu-me as costas, para fazer compania, e alegre demais para lamentações, e superficial demais para ilações profundas, e errado demais para certas coisas, e pensativo demais para a prática, e arrogante demais para pregar sobre a humildade, e auto irônico demais para levar a mim mesmo a sério, e qualquer coisa demais para tudo, exceto ao que me recuso a praticar ou pensar a respeito.
Mas, como no fim das contas, nem tudo é lamentações e muros, aqui vai uma pequena lista de conselhos que servirão ao menos para fazer o leitor sentir-se aliviado após perder tanto tempo em tão soberba e dispensável introdução:

Não seja um poeta, seja o poema.
Venda o carro e compre um guarda-chuva.
Case e leve a noiva para a lua-de-mel de bicicleta.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Armadilhas da baixa tecnologia

Existem vários tipos de conservadores. Aqueles que se agarram a valores antigos e rejeitam a evolução e o avanço natural dos padrões estéticos, de comportamento, ou ambos. Aqueles que se negam a ter aparelhos de disco laser e que acabaram sendo substituidos pelos que se recusam a ouvir MP3. Há os que dizem que bons tempos eram aqueles em que tínhamos palmatória nos colégios. Os que acham que a internet não serve para nada. Claro, sem falar nos que votam sempre no mesmo partido ou candidatos, se bem que isso já é outra pauta e não deverá ser tratado aqui este assunto. Enfim, todos aqueles que dizem: bom mesmo é do jeito antigo. Mas há também aqueles que por ingenuidade, convicção ou mesmo puro deslumbramento, como eu, se apegam à baixa tecnologia e compram máquinas fotográficas com filme (as ditas máquinas analógicas), que não têm saída para cabo USB, e que a cada vez que procuram um filme fotográfico, especialmente preto e branco, são olhados com um certo ar de desdém combinado com comiseração pelos funcionários de casas fotográficas, que ficam de boca aberta quando você chega entra na loja, pergunta quanto custa a reveleção e tira da mochila um rolo de filme, ao invés de tirar um CD ou um daqueles pen-drive (acho que a tradução mais aproximada seria motorista doloroso).
Mas, justamente o que queria dizer é que comprei, já faz aproximadamente um ano, uma câmera que possui justamente todos os requisitos de baixa tecnologia: fotografias levemente desfocadas, dificuldade de enquadramento, ou seja, um verdadeiro exercício para o olho do fotógrafo, já que a fotografia é também um exercício que exige repetição. Claro, além de diversas outras exigências sobre as quais meu repertório não permite grandes divagações, ou talvez eu simplesmente não esteja com a paciência necessária para tanto.
A grande desvantagem de tal máquina é não permitir a digitalização direta (ou seja, passar as fotos direto da câmera para o computador), fazendo com que tenha-se que usar um método intermediário para colocá-las no meio digital.
Eu gostaria mesmo de postar minhas fotos aqui, e quase todos para quem eu falei a respeito das fotografias disseram que eu deveria fazê-lo. Então, para satisfazer a curiosidade dos leitores e para seguir a orientação dos que me aconselharam a colocar as fotos aqui no blog, não vejo alternativa, a não ser descrever algumas delas, para que possam ter uma ideia do que se trata.
Foto número um:
Uma calçada retratada obliquamente, com um muro do lado esquero, do qual aparece apenas um pilar e uma rachadura na base, entre a calçada e um de seus detalhes ornamentais. À frente vê-se um poste e uma pessoa de mochila entre o poste e o muro.
À esquerda pode-se ver algumas árvores, mas não dá para saber (já que o ângulo da foto não permite) se o dia está nublado ou ensolarado, mas a julgar pela luminosidade, pode-se supor que se trata de um dia de sol.
Foto número dois:
Uma imagem desfocada em tom predominantemente cinza, do que parece ser uma floresta, mas que por pertencer a uma série de fotografias urbanas supõe-se que seja o parque da redenção.
Foto número três:
Vários riscos luminosos vermelhos, alaranjados e brancos. O que nos leva a crer que seja uma fotografia tirada à noite com o obturador da máquina em posição B e aberto durante uns vinte e cinco segundos.
Foto número quatro:
Céu azul em um tom saturado, um semáforo ligado através de uma haste de metal que se curva para a direita com uma placa pendurada logo ao lado da sinaleira, que diz: nunca (em letras maiúsculas e grifado em vermelho) tranque o cruzamento. O semáforo está vermelho.
Foto número cinco:
Uma faixa amarela ao lado de um enorme "pare" escrito em letras brancas, já um pouco desgastadas, sobre o asfalto cinza.

Por enquanto são estas as fotografias que tenho a publicar aqui. Em breve publicarei mais algumas. Ainda não decidi se através de imagens propriamente, ou de narração de imagens.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Evoluindo

Há os que dizem que a evolução se dá ao acaso. Outros dizem que não, que a teoria de Darwin não era exatamente assim, mas leigamente fico pensando no que é e como isto foi acontecer. Como descemos das árvores, como saímos das cavernas para conquistar o espaço? Claro, pelo menos o espaço do mundo, que encurtou, já que quanto ao espaço sideral ainda tenho cá minhas dúvidas. Para Darwin uma das chaves para a evolução, se não a principal, é a necessidade de adaptação, mas o que realmente leva à necessidade de adaptção é o medo. Se eu pudesse eleger algo como chave para acionar o mecanismo da evolução escolheria o medo.
O medo nos acompanha desde sempre. O medo da fome nos fez descer das árvores. O medo do frio nos fez dominar o fogo. O medo do sobrenatural nos fez inventar as religiões. O medo da natureza nos fez inventar a ciência. O medo de viajar fez com que criássemos fazendas. Deixamos de ser nômades. Com medo das feras criamos a faca e a lança. O medo da invasão nos levou a criar a cerca. O medo da doença nos levou a criar a medicina, o medo das ideias nos levou a criar a guilhotina. O medo do tédio nos levou à invenção. O medo de perder o grande amor nos leva a viajar e a enfrentar o próprio medo. Talvez com medo da solidão tenhamos inventado o amor. E com medo de tudo inventamos uma explicação. O medo do esquecimento nos fez criar a arte e a literatura, que agem onde a memória falha, e às vezes são memórias melhores que a própria memória.
Não fosse o medo não teríamos os heróis, que avançaram aproveitando as oportunidades perdidas pelos covardes que recuaram.
Não se enganem, a verdadeira força motriz da humanidade é o medo.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Direito de resposta

Encontrei na rua uma pessoa que me disse ter lido o post "a vaca louca e a caridade..." e que se sentia muito ofendida por tê-la citado no texto e que eu deveria publicar algo me retratando, afinal ela chefia várias pessoas e diz que meu posicionamente e argumentação são extremamente ofensivos e agressivos, que vão contra as instituições sérias de trabalho e que existem muitos dispostos a zelar pelo bem estar da comunidade, gerando empregos e garantindo salário e boas condições de vida e trabalho aos funcionários.
Então, considerando que sou um cara muito educado, que zela pela boa e pacífica convivência; considerando que este é realmente um espaço aberto à crítica democrática; considerando que o autor aqui sabe reconhecer seus erros; considerando que não quero ser o culpado pelo aumento da taxa de desemprego e pela queda de produtividade nas empresas; considerando que sei que todo chefe, empregador ou, simplesmente, patrão tem seu estilo de vida sustentado pelos funcionários que vivem sem estilo algum, segue meu breve termo de retratação:
Não citei em momento algum qualquer nome de pessoa ou empresa, em sequer uma única linha em meu texto.
Mas, se a parte ofendida se sente realmente prejudicada pela expressão das idéias, fatos ou conceitos ali relatados, digo: Minha intenção não é de causar todo esse mal estar. Mas se tal mal estar foi causado e dita pessoa se sente de alguma forma ofendida ou prejudicada pelo texto, eu mantenho e reforço: todas as afirmações ali contidas são verdadeiras e merecidas. E mais: sua empresa deve ser mesmo uma boa bosta.
É o nosso parecer.

terça-feira, 16 de março de 2010

Sem relevância

O apanhador no campo de centeio costuma aparecer em diversas listas de livros de cabeceira. Claro, a minha não é diferente. Dentre outros lá está este que narra a peregrinação do Holden por Nova Iorque (que é como os ingleses chamam New York). Não poderia dizer mais nada que já não se tenha dito sobre o livro, ou prestar homenagem que já não tenha sido feita a Salinger. Pelo menos não de forma pungente quanto vários outros.
Pensei em publicar algo por aqui quando da morte de Salinger, mas não acho confortável escrever obituário ou notas fúnebres. Claro, eu poderia dizer inúmerascoisas fazendo analogias com o gargalhada, um dia especial para os peixes-banana, etc, claro, coisa que prefiro não fazer, já que a repetição serviria apenas para desgastar o assunto. Mas, para não considerar abandonada a causa e, acima de tudo, porque o livro e autor realmente merecem certas homenagens, resolvi falar algo sobre um dos personagens menores do romance.
Personagem menor? Não, o correto seria personagem ínfimo. Afinal, qualquer romance, filme ou obra narrativa tem seus coadjuvantes. Alguns dizem que existe um prêmio na academia de cinema dedicado a tal tipo de papel (o que ainda preciso averiguar). Mas o fato é que o personagem a que me refiro aqui tem uma passagem curta. Na verdade sua existência no "apanhador" é de cerca de um parágrafo - menos, se considerarmos as divagações do narrador acerca de sua aparição - mas a verdade é que o personagem que realmente expressa o desprezo pelo sistema e valores arcaicos é edgar Marsalla. Este é realmente meu herói, sem essa lenga lenga de peregrinação, divagações, contradições, conflitos e especulações. Edgar Marsalla é de fato profano, grosseirão e politicamente incorreto, capaz de soltar um peido infernal em uma capela durante o discurso doutrinador daquele que representa o estilo de vida para o qual a escola que Holden frequentava estava-o preparando. Obviamente todo o livro é muito sedutor, Holden dialoga muito bem com o leitor e sintetiza os conflitos e inquietações enfrentados por qualquer pessoa em qualquer geração.
Portanto, posso dizer aqui que o comentário realmente para tal texto/situação é que cabem coisas demais em um único personagem, mesmo que sua existência seja tão curta como a de Marsalla, aquele que não dialoga com o leitor, mas dá uma boa idéia do que o leitor vai encontrar pela frente.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Subespécies

Dado o sucesso da postagem anterior, que teve cerca de cinco acessos, incluindo os dois que fiz para editar o texto, e também porque pretendo abrir uma firma de consultoria de recursos humanos e inumanos, continuaremos a discutir aqui os problemas de carreira e corporação.
Claro, o anterior era um texto sobre os chefes. Agora, falaremos sobre subordinados e subalternos.
Antes, um pequeno aviso aos desavisados, apesar do título, não se trata de um filme de terror (embora certas situações sejam aterrorizantes) ou de uma postagem sobre biologia, assunto que me é muito caro, mas sobre o qual entendo tanto quanto um cavalo ou uma zebra entendem de usinas termonucleares.
Mas, poderíamos dizer que os chefes procriam, coçam-se e da sua pele se desprende uma espécie de parasita que tende a se reproduzir rápida ou lentamente, dependendo das condições de higiene mental local.
O parasita em si é aquele tipo de colega que, sempre, apesar e acima de tudo, defende a visão do seu patrão. Aquele (ou aquela) a quem é conferido uma parte ínfima do sabor do poder autoritário e que, justamente por sentir esse doce sabor, passa a exercer uma função que podemos chamar de célula de chefia.
Claro, o parasita é o tipo que leu a cartilha do chefe, não chega a ser exatamente um puxa-saco padrão, poderíamos chama-lo de papagaio, mas isto constituiria uma grande ofensa a esta simpática, colorida, falante e ameaçada ave.
O parasita é aquela (ou aquele) colega que, sentando ao seu lado, tenta delegar tarefas, repetir os erros da chefia e ficar ali, tentando ganhar a simpatia de todos dizendo: Olha pessoal, responsabilidade é de todos, devemos ter iniciativa, zelar pela féria de nosso patrão.
E ele (ou ela) fica ali, rastejando na mesma lama que todos, usando o mesmo banheiro de todos, mas, claro, como parasita, alimenta-se das migalhas de autoridade deixdas para trás pelo superior.
Então, o leitor pode perguntar: e como identifico esse tipo de parasita? É mais ou menos fácil; seu discurso e aparência são repulsivos, ele é o tipo que veste sempre a camiseta da empresa, demoonstra certa intimidade para com o chefe, nas rodas de conversa com os demais colegas refere-se ao superior pelo primeiro nome e não usa a forma senhor ou senhora, sempre faz comparações que dizem que poderia ser pior (lá), poderia melhorar se todos colaborassem conosco (aqui), dão graças aos céus por terem tido a oportunidade de trabalhar no lugar. Mas como já foi dito aqui, não se assemelham ao puxa-saco, já que este pode ser apenas um mero suproduto do constrangimento causado pela estrutura de trabalho e pelo medo(claro) de perder o emprego. Não, esta subespécie de micro-chefe é o tipo que fica ali, parado, encarando todos. Aquele tipo de valentão que vai à praia com dezenove pessoas e puxa uma briga com o magrelo de bermudas, tênis e meias, sua maior característica é a covardia. Sempre procura dissipar os movimentos grevistas, ou anti-chefe, mas no fundo se borra de medo também.
Claro, é difícil combater este tipo de praga. Se fossem baratas, uma boa sapatada resolveria, mas o caso é mais complicado, o parasita pode ser invisível e se revelar em uma mesa de bar, um email ou programas de conversa pela internet.
Se bem que ainda não existem relatos de tentativas de usar o sapato contra este tipo de criatura. Pode dar certo, principalmente se for atingido diretamente na boca.
Aconselhamos, então, contra o parasita, o uso da sapatada metafórica.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A vaca louca e a caridade ou a cartilha do grande chefe corporativista

*Post dedicado à professora e amiga, mesmo que à distância, Terezinha Brandão, que vê não apenas sentido, mas também propósito no que escrevo.

Já disse aqui e repito, trepito. Não sou dado a acreditar em teorias de conspiração, não assisto televisão, não leio certas revistas e jornais. Enfim, não sou adepto do que se chama cultura de massa. Talvez aqueles, como a Terezinha, que entendam a ironia do que digo, percebam que meus textos denunciam parte de meu posicionamento ideológico.
Mas deve, deve mesmo haver em algum lugar, uma espécie de cartilha do grande chefe corporativista. Aquele tipo de chefe que, quando demite um funcionário, força a barra para fazer parecer que o funcionário deveria mesmo pedir para ir embora da empresa porque não estava colaborando com o bom funcionamento, não estava vestindo a camiseta e suando-a o suficiente para, claro, sustentar o estilo de vida do superior hierárquico. Pois é exatamente isto que faz um assalariado vendendo seu tempo/força de trabalho por um preço não exatamente justo, mas que, devido a um complexo sistema de trocas, parece ser o preço orgulhosamente certo e merecido.
Certo dia, meu irmão e eu entramos em um supermercado de uma grande rede. Meu irmão fez uma reclamação sobre a empresa para uma funcionária do lugar, que agressivamente defendeu a corporação (de novo e novamente), dizendo que a empresa tem controle de qualidade, que em caso de insatisfação poderíamos escrever uma carta a um suposto ouvidor que teria prazer em tirar nossa dúvida. Claro, neste caso sanar nossa dúvida seria fazer propaganda do supermercado, enaltecendo suas qualidades, sua responsabilidade social, todas as suas virtudes sociais, mesmo que colaborando para despejar no ambiente milhares de sacolas plásticas, etc.
A atitude da moça faz parte, obviamente, do esquema corporativista. O funcionário sente que tem a obrigação de defender a empresa, afinal, é incutido na pessoa um senso de família. Mesmo que tal família não faça as refeições na mesma mesa há uma espécie de grande pai que lança seu olhar vigilante sobre os funcionários, como um pastor cuidando de seu rebanho, mas que na verdade está apenas interessado em seu lucro, e lucro é algo que equivale a salário para o grande chefe corporativista. Equivale a salário, mas em uma proporção exageradamente maior.
Se tal cartilha existe, assim seria o decálogo do grande chefe corporativista:
1- Procura parecer mais inteligente que teus subalternos, mesmo que para isto tenhas que ocultar tuas óbvias falhas de caráter e inteligência.
2- Ao pagar o salário, faz parecer que é com grande sacrifício, mesmo que tenhas milhões guardados e teu "funcionário-mal-remunerado-responsável-por-teu-livro-caixa" perceba o tamanho da mentira. Lembra: tal funcionário nunca afrontar-te-á, pelo menos por enquanto.
3- Na hipótese de tal funcionário afrontar tua autoridade e questionar tua fingida dificuldade financeira, amedronta-o com cortes na folha de pagamento, para aí sim, ele entender o que é uma dificuldade financeira.
4- Participa, sempre que possível, de projetos de caridade assistencial, para mostar a teus funcionários o quanto és justo(a), bondosa(o) e que grande golpe sofreria a humanidade se perdesse tua pessoa.
5- Procura sempre ter alguém para culpar pelo que está errado na empresa, desde que não seja tua própria pessoa.
6- Teus funcionários somente terão razão quando estiverem dizendo sim senhor(a).
7- Conta detalhes de tua vida privada. Demonstra algum interesse pela vida de teus subalternos, para depois poder dizer que apesar da diferença social há uma certa ilusória igualdade entre vós.
8- Queixa-te da situação financeira, política e econômica regularmente, mesmo que sejas a pessoa mais alienada financeira, social e politicamente.
9- Alimenta a intriga entre teus funcionários. Lembra-te de que o formigueiro que progride é aquele com maior número de formigas mudas.
10- Subestima sempre a capacidade intelectual de teus funcionários, afinal, se depois de perceberem que segues tal cartilha ainda continuam trabalhando para ti, tal capacidade não deve ser muito grande mesmo.

Para o funcionário do grande chefe corporativista fica o conselho de ser pego lendo tal cartilha, já que, a qualquer momento o grande chefe corporativista pode lançar seu olhar de pai pastor sobre o funcionário, repensar o decálogo e criar um 11º mandamento que impeça seus subalternos de obter informações privilegiadas.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Colunismo

Sempre pensei muito a respeito da utilidade da coluna social. Onde poderíamos, se tais páginas não existissem, ler coisas como fulano passou as férias em Paris, outro, de sobrenome enorme festejou seu aniversário?
Claro, alguns jornais dedicam um grande número de suas páginas, outros um número pequeno, mas, mesmo assim, sempre pensei: e por acaso não existe uma coluna marginal. Não marginal no sentido criminal, mas sim no que se refere a estar à margem, neste caso, à margem da sociedade, ou melhor: society.
Leríamos então coisas como:
Pedrão e amigo bebem cachaça no boteco da esquina.
Zé colocando Pedrão para fora do bar, depois de pedir para pendurar um martelinho e ter tentado filar cigarro de um desconhecido que entrou ali para perguntar onde ficava a oficina.
Claro, às vezes também são públicados aqueles perfis, do tipo bate-bola, nos quais alguém sempre é inquirido a respeito do principal defeito e, invariavelmente, responde coisas como: sou perfeccionista, tenho um alto nível de exigência pessoal. Grandes defeitos.
Mas lá, na coluna marginal, os perfis bate-bola seriam assim:
Nome: Mané.
Profissão: Faço uns bicos por aí, por enquanto nenhuma profissão em particular.
Livro preferido: Só leio revista de mulher pelada.
Férias inesquecíveis: O que é isso?
Um elogio inesquecível: Não lembro quem me disse, em um churrasco, que a minha caipirinha era de matar. Não sei exatamente se era elogio.
Filme preferido: Não tenho tevê em casa.
Principal defeito: Minha mulher diz que quando estou dormindo ronco e peido muito, embora eu também o faça acordado.
Claro, a coluna marginal seria de difícil publicação no jornal, porque o editor não saberia onde publicar. Qual sessão teria que cortar, a cultural ou a econômica? Não, melhor suprimir o caderno de literatura. Afinal, não serve pra nada mesmo...

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Por que certos instrumentos musicais não dão certo?

Sempre sofri por ter escolhido o baixo como instrumento, desde as piadinhas mais sem graça, até as mais refinadas. Mas em minha defesa e de vários outros, como Paul Mccartney, Jaco Pastorius, Ron Carter, etc. digo que o baixo é um instrumento plenamente acessível ao músico. Claro, como bom ortodoxo, uso baixos com quatro cordas, os quais, para quem possui o mínimo de intimidade com instrumentos musicais, exigem apenas quatro dedos (fora o polegar, que fica apoiado contra o braço) para tocar suas quatro cordas.
E por que não me tornei guitarrista? Embora seja mais glamouroso, tocar guitarra exige muita exposição do músico, não sou exibido, então fico ali, recheando a música.
E o violino? O mundo já teve Paganini, então, não precisa de outro.
E o piano? O piano é um instrumento que pode despertar a ira dos ecologistas, já que as teclas brancas podem ser feitas de marfim e as pretas de ébano, além de trazer todas as notas ali, ordenadas, esperando o ataque do pianista. Sem falar que é um tanto difícil de carrega-lo de um lado para outro.
E por que não a bateria? Porque não me parece funcionar bem um instrumento cujo nome está no futuro do pretérito.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Sacrilégio

E para que não fiquem por aí dizendo que sou muito mal humorado, hoje, para amenizar as coisas e tentar plantar um leve e doce (ou amargo) sorriso nas bocas e olhos dos meus leitores e leitoras, uma história engraçada que ocorreu há algum tempo atrás, com pessoas reais do mundo fictício, cujos nomes serão preservados a fim de zelar por sua privacidade e integridade moral, física e intelectual.
Os brinquedos sempre acabam ficando guardados em algum baú dentro do quarto. Em alguns casos são doados para crianças carentes, mas, na maioria das vezes ficam ali, na esperança de passar de uma geração para outra, ou mesmo serem pegos pelo antigo dono, mesmo que à noite, com a luz apagada e de portas fechadas. No início pode ser uma bola, uma bicicleta. Depois, passa para um violão, computador, carro, e assim por diante. Na verdade os brinquedos nunca são abandonados, apenas a conseqüência das brincadeiras é que tem suas proporções alteradas, amplificadas.
Neste caso, o brinquedo em questão é o aparelho de som. Em algumas famílias, ter acesso ao aparelho de poderia significar: o guri está crescendo, já não houve mais os disquinhos coloridos de histórias, agora quer mais é saber do rock, até já sabe ligar sozinho.
Não deixa, claro, de ser um rito de passagem.
E começou assim, uma coletânea dos melhores momentos do Rock in Rio aqui, um compacto da Nina Hagen ali, mas lá ia o futuro ouvinte de rock tentando construir o seu acervo, passando por diversas experimentações discófilas, algumas valeriam a pena, outras, melhor esquecer.
Fatalmente chega o dia em que coloca a tocar um pesadíssimo disco de rock pauleira (sim, assim era chamado o heavy metal antigamente).
Claro, nessa estrada de escolhas musicais, vai-se ouvindo tudo, menos (mais para contrariar mesmo) o que os pais gostam de ouvir e, hora ou outra, acaba-se descobrindo que quanto mais alto, melhor.
Começa então aquele inferno. Pai batendo na porta e gritando: desliga, desliga.
Mãe saindo do banho enrolada na toalha para ver qual trator de obras da prefeitura derrubou a parede da casa.
Vizinhos, melhor nem comentar.
Chega, também fatalmente, o dia em que o guri resolve dar uma olhada nos discos dos pais. Claro, lá pelas duas da manhã para evitar a vergonha da curiosidade pela música dos velhos. Afinal, rock é rebeldia, que porcaria de rebelde seria esse que concorda com os pais? E coloca um LP dos Beatles no volume máximo.
A mãe fala para o pai:
-Vai lá e dá um jeito. Manda ele desligar esta porcaria. São duas da manhã!
-Mas, mandar desligar? Ainda mais o Rubber Soul! Aí já é sacrilégio.
E assim fica provado que os filhos são, na maioria dos casos, a causa da ruína de muitos casamentos.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Questão de balanço de valores

Certa vez, em um documentário, o João Ubaldo Ribeiro falava sobre a língua, explicando que não era filólogo, não era lingüísta, era apenas um usuário da língua. Assim como não sou advogado ou jurista, mesmo que meu trabalho esteja ligado, de certa forma, à carreira jurídica. Mas como poderia dizer que sou um usuário da lei. Talvez eu esteja mais para um cumpridor da lei. Assim como também não posso dizer que eu seja um ecochato, embora carregue a sina de merecer a segunda parte do nome.
Em todo caso, na cidade em que por enquanto moro, houve um caso envolvendo mau trato a animais, mais de uma vez. Não presto mesmo muita atenção em televisão, portanto, não sei exatamente em qual canal, o âncora do jornal anunciava que o responsável pelos maus tratos responderia por crime ambiental, quer dizer, com uma pena menor, do que podemos depreender que crimes contra o meio ambiente (ou contra o ambiente inteiro) são vistos como crimes menores, embora não deixem de ser atentados contra a vida, não só contra a vida dos animais, mas também, lógico, contra a vida humana, já que obviamente os seres humanos ocupam um lugar considerável no ambiente chamado planeta terra, embora certas vezes vezes esqueçam disto ou se espalhem demais. Então, gostaria de proferir esta retórica por aqui, sem querer parecer pedante: até quando nossa relação de superioridade hierárquica com a natureza vai continuar sendo um entrave para a nossa qualidade de vida?
Quer dizer, se acusamos a religião de ter afastado o homem da natureza, acho que esta catequese surte bastante efeito, tanto que houve um congresso em kopenhagen para discutir algo realmente atrelado a esta questão. E dessa vez sim, prestei atenção ao jornal.
Claro, acho que a sociedade deveria pressionar mais as autoridades competentes (competentes no sentido da faculdade que é dada à pessoa), para que os crimes ambientais sejam tratados como crimes maiores, bem como se mobilizar mais com relação a estas questões, a fim de quebrar este círculo hierárquico arrogante e vicioso.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

A malfadada língua

Como foi dito no post anterior, o inglês parece estar dominando o mundo. Não um inglês qualquer, do tipo primeiro ministro, o que também não deixa de ser bastante plausível. Mas refiro-me aqui ao idioma inglês. Sim, a língua que os beatles falavam e na maioria das vezes cantavam, que alguns reis, príncipes, mendigos (não, mendigos não), a rainha e uma ou outra ministra amiga do Pinochet e com tendências ditatoriais, mas que não é a nossa ministra, também fala, ou falava, sabe-se lá.
Para não deixar desamparada minha vasta legião de leitores desamparados, digo que o inglês é uma língua bastante parecida com o português, principalmente com o português brasileiro.
Por exemplo: "No exit" significa não hesite; "Some fotos" significa que os retratos desapareceram; "Home" é o equivalente à expressão popular-regional ômi, como em "ômi de Deus!"; "Shake" é um monarca árabe.
Agora, money é dinheiro mesmo, e esse fala. Fala várias línguas com grande fluência e maior ainda influência.
Mas, meus agora amparados leitores podem me acusar de tudo, menos de não ter inaugurado as postagens nesta nova década, e pelo menos ter tentado iniciar com mais leveza e menos pessimismo, se bem que isto pode ser apenas uma impressão.