segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A vaca louca e a caridade ou a cartilha do grande chefe corporativista

*Post dedicado à professora e amiga, mesmo que à distância, Terezinha Brandão, que vê não apenas sentido, mas também propósito no que escrevo.

Já disse aqui e repito, trepito. Não sou dado a acreditar em teorias de conspiração, não assisto televisão, não leio certas revistas e jornais. Enfim, não sou adepto do que se chama cultura de massa. Talvez aqueles, como a Terezinha, que entendam a ironia do que digo, percebam que meus textos denunciam parte de meu posicionamento ideológico.
Mas deve, deve mesmo haver em algum lugar, uma espécie de cartilha do grande chefe corporativista. Aquele tipo de chefe que, quando demite um funcionário, força a barra para fazer parecer que o funcionário deveria mesmo pedir para ir embora da empresa porque não estava colaborando com o bom funcionamento, não estava vestindo a camiseta e suando-a o suficiente para, claro, sustentar o estilo de vida do superior hierárquico. Pois é exatamente isto que faz um assalariado vendendo seu tempo/força de trabalho por um preço não exatamente justo, mas que, devido a um complexo sistema de trocas, parece ser o preço orgulhosamente certo e merecido.
Certo dia, meu irmão e eu entramos em um supermercado de uma grande rede. Meu irmão fez uma reclamação sobre a empresa para uma funcionária do lugar, que agressivamente defendeu a corporação (de novo e novamente), dizendo que a empresa tem controle de qualidade, que em caso de insatisfação poderíamos escrever uma carta a um suposto ouvidor que teria prazer em tirar nossa dúvida. Claro, neste caso sanar nossa dúvida seria fazer propaganda do supermercado, enaltecendo suas qualidades, sua responsabilidade social, todas as suas virtudes sociais, mesmo que colaborando para despejar no ambiente milhares de sacolas plásticas, etc.
A atitude da moça faz parte, obviamente, do esquema corporativista. O funcionário sente que tem a obrigação de defender a empresa, afinal, é incutido na pessoa um senso de família. Mesmo que tal família não faça as refeições na mesma mesa há uma espécie de grande pai que lança seu olhar vigilante sobre os funcionários, como um pastor cuidando de seu rebanho, mas que na verdade está apenas interessado em seu lucro, e lucro é algo que equivale a salário para o grande chefe corporativista. Equivale a salário, mas em uma proporção exageradamente maior.
Se tal cartilha existe, assim seria o decálogo do grande chefe corporativista:
1- Procura parecer mais inteligente que teus subalternos, mesmo que para isto tenhas que ocultar tuas óbvias falhas de caráter e inteligência.
2- Ao pagar o salário, faz parecer que é com grande sacrifício, mesmo que tenhas milhões guardados e teu "funcionário-mal-remunerado-responsável-por-teu-livro-caixa" perceba o tamanho da mentira. Lembra: tal funcionário nunca afrontar-te-á, pelo menos por enquanto.
3- Na hipótese de tal funcionário afrontar tua autoridade e questionar tua fingida dificuldade financeira, amedronta-o com cortes na folha de pagamento, para aí sim, ele entender o que é uma dificuldade financeira.
4- Participa, sempre que possível, de projetos de caridade assistencial, para mostar a teus funcionários o quanto és justo(a), bondosa(o) e que grande golpe sofreria a humanidade se perdesse tua pessoa.
5- Procura sempre ter alguém para culpar pelo que está errado na empresa, desde que não seja tua própria pessoa.
6- Teus funcionários somente terão razão quando estiverem dizendo sim senhor(a).
7- Conta detalhes de tua vida privada. Demonstra algum interesse pela vida de teus subalternos, para depois poder dizer que apesar da diferença social há uma certa ilusória igualdade entre vós.
8- Queixa-te da situação financeira, política e econômica regularmente, mesmo que sejas a pessoa mais alienada financeira, social e politicamente.
9- Alimenta a intriga entre teus funcionários. Lembra-te de que o formigueiro que progride é aquele com maior número de formigas mudas.
10- Subestima sempre a capacidade intelectual de teus funcionários, afinal, se depois de perceberem que segues tal cartilha ainda continuam trabalhando para ti, tal capacidade não deve ser muito grande mesmo.

Para o funcionário do grande chefe corporativista fica o conselho de ser pego lendo tal cartilha, já que, a qualquer momento o grande chefe corporativista pode lançar seu olhar de pai pastor sobre o funcionário, repensar o decálogo e criar um 11º mandamento que impeça seus subalternos de obter informações privilegiadas.