segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O sistema e o sujeito

Pode ser nada produtivo matar um sujeito, principalmente se o sujeito é o próprio praticante da ação. Desta maneira buscamos uma maneira de auxiliar o leitor, para que possa usufruir como melhor lhe aprouver de um texto, esteja ele em um livro, em um filme, ou mesmo na fala de outra pessoa (sim, estes também são textos com subtextos).
Apesar de também discordar do termo interpretação, já que, em uma de suas acepções pode-se que não passa de interação entre duas pessoas que não usam o mesmo código, logo, escritor e leitor não estariam usando o mesmo código, mas se o leitor é capaz de decodificar, também ele faz uso do que podemos considerar uma mensagem cifrada.
Quando uma leitura de um texto é feita, sempre é discutível a tentativa de afastar do texto o sujeito/leitor, no sentido de uma pessoa com ideias, impressões e vivências. Não mais importa o que a vivência do leitor diz, mas sim o que alguém autoriza-o a dizer, deve trazer para dentro da impressão particular alguém que possa endossar a leitura. Alguém com autoridade para tanto. Isto significa que a subjetividade fica em segundo plano, já que a leitura passa a não representar mais uma experiência sensorial, emotiva, de memória ou de vivência, mas sim uma experiência que busca validação no discurso de algo ou alguma pessoa superior. É como discursar um discurso preparado, com tópicos determinados por uma autoridade que não se sabe exatamente de onde vem, muito menos quem lhe conferiu tais poderes.
A possibilidade de leitura desta maneira nada mais é do que uma perpretação do que chamamos de sistema. E um sistema é algo que, diferentemente de uma regra, é uma barreira que se interpõe entre o sujeito e o meio, já que uma regra não cria uma barreira, uma regra ou lei não proibe, uma regra não diz que não se pode fazer determinada coisa, mas sim que não se deve fazer. Por exemplo: sabemos que não se deve dirigir bêbado, existem leis que desconselham que isto seja feito, mas não dizem exatamente que isto não pode ser feito. Dizem apenas que, caso seja feito, o sujeito deverá arcar com as consequencias impostas pela lei.
Já o sistema age de modo diferente. Há uma proibição que impossibilita, de modo que aquele que é submetido a tal proibição não sabe explicar exatamente por que não pode fazer tal coisa, ou seja, existe apenas uma barreira virtual entre a pessoa e o meio e esta barreira não pode ser transposta, já que não é explicitamente proibitiva nem palpável.
Isto significa que uma lei/regra é algo que age de dentro para fora: o sujeito tem conhecimento de determinada regra, descumpri-la coloca-o em um conflito ético e/ou moral, confrontando valores intrínsecos ao ser e, a partir de tal conflito, é tomada a decisão de respeitar ou não tal regra.
Já o sistema age de fora para dentro: o sujeito tem conhecimento apenas de que há um impedimento, mas não consegue saber quem determina ou porque tal impedimento é determinado.
Tal como fazer uma análise de texto. Há um sistema que impede o leitor de demonstrar sua própria impressão a respeito e, a partir dessa impressão, construir um discurso teórico a respeito do texto enquanto experiência sensorial, o que acaba desconsiderando a pessoa como elemento atuante em um fato literário, talvez mesmo um sistema construido pelo cânone literário que, embora deva ser respeitado, deve ser desconstruído, a exemplo do texto do Mario Quintana que diz que os clássicos escreviam tão bem por não terem os clássicos para atrapalhar. Desconstruído sim, mas não desrespeitado, desrespeitada deve ser essa barreira erigida pelas academias, a qual procura colocar o sujeito leitor em uma posição de passividade, fazendo-o assumir o papel de negociador que tenta estabelecer um diálogo entre o escritor e o teórico de sua escolha, apenas costurando, com suas idéias unindo os retalhos teóricos previamente autorizados.
Portanto, quando é dito que fazemos aqui um exercício de livre escrita, espera-se que o leitor possa se sentir à vontade para exercitar a livre leitura, permeada apenas por sua vivência, experiências e memórias, sem necessidade de manuais ditatoriais de instruções de leitura.