quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Esta também é daquelas, deles.

Antes de qualquer entabulação pretensiosa vou dizer que o texto de hoje não é exatamente meu, pelo menos no que diz respeito a sua feitura e que geralmente eu pediria permissão aos autores para postar textos de tal natureza, mas como acredito que não serei processado por isso, visto que as pessoas envolvidas são meus pais. Melhor dizendo, meu pai e minha mãe, pois sabe-se lá o que, ou qual tipo de ideia pode suscitar, nesta conturbada e polêmica atualidade, uma afirmação desse tipo.
Também vale explicar, embora desnecessariamente, que antes do ataque e da enxurrada de argumentos e contra argumentos, réplicas e tréplicas de possíveis leitores intelectualóides, sei que a poética do cotidiano ou, caso prefiram, uma poética cotidiana, já foi exaustivamente discutida e, obviamente, serei indiferente a comentários desse tipo, pois trata-se apenas de uma boa história que, mesmo fora de contexto, continua surtindo efeito, ou seja, soando-me bastante divertida em sua leitura, portanto não há motivo maior ou mais forte para publicá-la aqui e esse próprio já é por mim considerado suficiente, ou suficientemente forte e convincente para ser publicado neste espaço. 
Todavia, além deste singelo introito, o texto que segue é a pura verdade e dou meu próprio testemunho de que não é apenas uma situação bizarra, como também de grande criatividade e originalidade. E nada foi inventado, seja a situação ou o singelo, mas sempre simpático, embora em desuso, "alô, quem fala?"
Ei-lo:


Vou te contar um história muito estranha:

  Estava tentando ligar para casa, em Pelotas, para falar com o Ricardo a respeito do show da Marianne.

  Liguei a 1ª vez.

  - Alô, quem fala? - dizia eu

  - Quer falar com quem? - respondia uma mulher

  - Quero falar com a Marlene.

  - Eu me chamo Marlele.

  - É muita coincidência, mas a minha esp... mulher se chama Marlene, mas é engano.

  Aí desliguei e tentei novamente.

  De novo atendeu a mulher.

  - Alô.

  - Me desculpe - disse eu - mas acho que liguei errado novamente. De onde a Senhora está falando?

  - De Pelotas, respondeu a mulher.

  - Puxa, mas é muita conicidência mesmo. Eu quero falar com a minha mulher em Pelotas e ela se chama também Marlene.

  - De onde o Senhor está falando?

  - De Araranguá.

  - Mas o meu marido trabalha em Araranguá.

  - Então tu é a Marlene mesmo.

  - Ah! Vai tomar no cu! Que que aconteceu?

  - Pomba eu não conheci a tua voz

  - Nem eu a tua?

 -  Pô Marlene, eu pensava que estavas dormindo.

    - Então diz pro Ricardo atender que vou ligar no celular.

   Aí desliguei.


     Terminou a história.  Nada deste incrível diálogo telefônico foi inventado.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Genealogicamente falando...

Muitos dos meus poucos leitores me perguntam de onde tiro os textos que são aqui publicados. Para não perder tempo costumo responder que eles vêm do plano metafísico, ou dar alguma resposta absurda que possa contentá-los, do tipo: eu estava no banheiro, olhando a água do banho escoar pelo ralo, daí tive uma ideia que, quando menos esperava, resultou em um texto.
Talvez os que acreditam em predestinação acreditem nessas respostas. Talvez outros, mais racionais apenas deem um sorriso um tanto cínico de contentamento e digam que não dá pra acreditar em algo assim, que é necessária uma prova mais científica.
Mas talvez a resposta tenha algo a ver com a genética, pois meu pai também escreve e mais uma vez me permitiu publicar aqui um texto escrito por ele.
Então aproveitem o texto, já que acredito que defende um ponto de vista bastante criativo, inusitado, divertido, além de ser uma narração de grande força.
Agora me resta o medo de que o velho comece a me roubar os leitores.
Mas eis o texto em questão:





Até que ponto a literatura pode influenciar a vida da gente?
 
       Vou contar esta história:
     
        As únicas espécies de que eu não tenho pena nenhuma de matar eram: mosquitos, moscas e baratas. Sempre que vejo uma formiga dou um passo maior para não pisar nela.
 
        Baratas eu acho os bichos mais nojentos sobre a face da terra (os ratos também). 
  
        Mas isso até há uns dias.
 
        Pois quando vi uma barata no banheiro saí atras dela para pisar em cima. Ela correu, me pareceu apavorada, para uma fresta da parede, mas não conseguiu entrar e ficou tentando e tentando entrar, dava para perceber a força que ela fazia para entrar naquele buraco e o terror que ela sentia, mas só consegui enfiar a cabeça e ficou com o corpo de fora.

         E eu, sádico, não poupei e esmaguei com o chinelo.
 
         Foi fazer isto e fiquei triste com a maldade, afinal uma barata só está cumprindo o destino dela de barata, assim como as formigas e tudo o mais, menos os motoristas bêbados e outros da nossa espécie.
 
          O resultado é que também não mato mais as baratas e ontem até deixei um pedaço de maçã para uma que vi na cozinha.
 
          Então, uma barata pode sempre um Gregor Samsa potencial.
 

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Nova crítica novamente, ou algo que não consigo expressar em um simples título, ou bons conselhos sobre qual autor procurar para ler

E assim digo que o melhor autor a ser lido não é aquele que afirma que o seu livro escreveu-se sozinho, dizendo "o livro foi se fazendo, quando dei por mim já tinha vários capítulos prontos". Todos sabem que, quando muito, o que se deve aceitar de um livro é uma coautoria, melhor mesmo que não passe de apenas um prefácio, pois os que fazem essa afirmação, realmente não têm o domínio sobre a obra e realmente não sabem onde pretendem chegar, ou o que pretendem dizer com a sua obra, embora produzir esse tipo de literatura venha me parecendo algo bastante lucrativo ultimamente. Isso, ou os leitores são também um tipo que deixa sua leitura fazer-se sozinha.
Afinal, se o autor faz tal afirmação a respeito de seu livro, provavelmente o próprio livro também tratou de se encaminhar para a editora, revisou-se sozinho, e isto certamente é algo que me dá um particular motivo pra tristeza, desenhou sua capa etc. Portanto, nada seria mais justo do que o próprio livro desfrutar de uma gorda conta no banco, obtida depois de fazer um contrato milionário para edição em diversas línguas, que obviamente serão traduzidas pelo próprio livro, pois este também é poliglota.
Outro que também deve ser evitado é aquele cujo autor usa muitas metáforas para descrever em coletivas de imprensa, já que as metáforas devem estar dentro, e não fora do livro. Aliás, se o autor participar de coletiva de imprensa não deve ser lido, ou, ao menos, lido já com sérias restrições, pois, quanto mais arredio e antissocial, melhor é o escritor, e a respeito disso há vários bons exemplos, cujos nomes faço questão de não listar aqui, pois outra coisa aterradora são aqueles leitores que ficam alardeando suas leituras, falando em voz alta e expelindo suas opiniões mundo afora.
De qualquer maneira, nada estraga mais um ótimo autor do que um péssimo leitor, mesmo que um ótimo leitor não seja nunca estragado por um péssimo escritor, o que traz bastante alívio para minha consciência.

sábado, 29 de outubro de 2011

História de rock

Aviso, antes de qualquer coisa, que parte desta história é baseada na realidade, embora eu não saiba exatamente qual parte se baseia na realidade, nem tampouco em qual realidade está baseada, se naquela verdadeira, ou em uma outra, digamos, alternativa.
Trocaram telefonemas para combinar uma esperada e durante tanto tempo adiada ida ao estúdio para que, dez anos depois, pudessem gravar suas velhas músicas ou, quem sabe, apenas se divertir tocando covers das suas bandas favoritas. 
Claro, tinham conhecido algumas novidades durante o tempo em que não se falaram. Arrefeceram em alguns conceitos, fortificaram-se em outros, mas estavam mesmo a fim terminar com a vontade de espancar a bateria e as cordas da guitarra. Mas claro, era preciso combinar antes o que fazer, para não correr o risco de, já na sala de gravações, um ficar olhando para o outro indagando "e aí?"
Encontraram-se, na casa de um deles, para acertar os últimos detalhes; um com as mãos suando de ansiedade; o outro faceirão, feito uma criança que acabara de ganhar um novo brinquedo. 
Beberam algo para relaxar e espantar a ansiedade enquanto, para se inspirar, e enquanto se preparavam para carregar os pratos da bateria, a guitarra e os pedais, colocaram uns discos de Krautrock para tocar.
Foi quando tiveram a ideia de fazer novos experimentos musicais. Nada de pedais, pratos, cordas ou guitarra. O negócio seria mesmo na base da betoneira. 
Passaram então o maior trabalho para carregar a betoneira para o estúdio, pois era bastante complicado empurrar um aparato daquele tamanho pela rua. Mas no fim das contas era bom, já que como nos velhos tempos as pessoas lançavam aquele olhar de admiração de "lá vão os caras que tocam na banda". Era novamente a sensação de fazer parte de algo, de ser diferente, de manter acesa a chama da rebeldia, porque faziam parte de uma banda, uma instituição que não é para crianças e nem para adultos, era o limbo entre idades: jovens demais pra morrer, velhos demais para o Rock and roll.
Chegaram, finalmente, ao estúdio, quando viram que a betoneira não passava pela porta e não havia tomada para ligá-la. Foi quando um olhou para o outro, indagando "e aí?"

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Cinema II

Não sou crítico de cinema. Sei lá como trabalham aqueles caras que escrevem para certas revistas e dizem que essa produção é irregular, que aquele roteiro é incongruente, que o elenco é inconsistente, que o diretor é concupiscente, seja lá o que isso tudo significa, também não tenho o menor interesse em descobrir.
O que deixo aqui, não é exatamente uma crítica, e sim um apanhado de fatos curiosos que percebo a cada vez que assisto a determinados filmes, ou, como os infligidores baratos de coesão gostariam de dizer: obras da sétima arte.
Nos filmes do Hitchcock, por exemplo, sempre há algo ingênuo que, antigamente, eu atribuía ao pensamento da época, como se antes as pessoas fossem menos safadas, mas é engraçado pensar que no filme "A cortina rasgada", o cientista gênio que detém a fórmula secreta e, por sinal não é cercado por segurança alguma, é ingênuo a ponto de se deixar levar pela conversa fiada do tosco cientista americano, encenado pelo Paul Newman. 
Também não faz sentido que, na maioria dos filmes de invasão alienígena, espécies com inteligência suficiente para atravessar a galáxia, ao invadir o nosso planeta atenham-se à destruição de monumentos. Os seres desembarcam neste planeta para destruir a Estátua da Liberdade, a Torre Eiffel, o Coliseu, o Cristo Redentor, não, o Cristo Redentor não. Mas de qualquer maneira, não dão a menor importância para as fontes de energia e de alimentos. Pergunto então: para que tanto esforço coletivo dos governos do mundo, já que, aparentemente, os aliens são caras bem intencionados e nada mais querem do que promover uma reforma de bom gosto aqui na Terra?
O Chewbacca, sujeito evidentemente sem capacidade de produzir um pensamento profundo, que é capaz de desenvolver uma linguagem complexa, sempre é capaz de consertar o cruzador intergalático mais veloz de todo o universo, cujo motor provavelmente é da maior complexidade, e melhor ainda, usando somente uma simples chave de fenda. Bem, talvez eu esteja exagerando aqui e o simpático Chewbacca seja de inteligência superior, mas mesmo assim é algo a se pensar a respeito.
De qualquer maneira, dentre os aproximadamente 16 leitores deste blog, muitos farão contato para criticar, dizendo que o forte do Hitchcock era sua ironia, que as destruições dos monumentos pelos extraterrestres era pura licença poética e que eu não deveria falar contra o Chewbacca, pois poderá ser interpretado como uma postura extremamente incorreta do ponto de visa político, pois ele pode ser considerado como parte de uma minoria e tal atitude, nos dias de hoje, não fica nada bem. Mas não estou recebendo comentários, porque esses são dados que simplesmente me parecem curiosos dentro do conceito dos filmes e que se algum leitor, em algum momento, se julgar no direito de pedir direito de resposta, que vá arranjar espaço próprio para arranje suas divagações acerca dos filmes.

sábado, 15 de outubro de 2011

Quando eles voltarem

A feira do livro se aproxima, trazendo alguns autores e pseudo-autores para distribuir autógrafos na praça, uma grande quantidade de livros baratos e uma quantidade maior ainda de livros caros. Fiquei bastante decepcionado por saber que não poderei colher o autógrafo do Campos de Carvalho, mas creio que ele não se faria presente, nem mesmo por intervenção mediúnica, já que era ateu e, consequentemente, não acreditava no além, a não ser no além mar; ainda assim com sérias restrições. Mas como nem tudo é lamentação, choro, velas e punhos cerrados, digo que desta vez pretendo chegar lá bem preparado, com capacete, joelheira e principalmente cotoveleira, que é para poder me acotovelar como no ano passado, quando disputei aos chutes, pontapés, encontrões e cotoveladas o meu exemplar do livro de contos do Bret Harte. Posso dizer que a aquisição valeu a pena, porque o preço era bom e livro melhor ainda; prova de que nesses dias em que a relação custo-benefício parece ser a própria carta magna, o consumo de literatura dá suas flertadas com as ciências exatas.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Cartunizando

Não sou capaz de desenhar sequer aquelas casinhas com árvore, ou boneco-palito. Mas apesar dessa inaptidão, sempre apreciei histórias em quadrinhos (embora eu prefira o termo banda desenhada), principalmente as boas, como as do Will Eisner e as do Quino. Percebe-se que nesse segmento da arte também existem alguns injustiçados. Um deles é o Jean-marc Reiser, um quadrinista ou cartunista relativamente antigo, raramente lembrado pelos apreciadores de banda desenhada. Mas assim como os bons livros, os bons filmes e as boas ideias, as boas histórias em quadrinho permanecem.
E o Reiser (não privarei o acidental leitor do prazer de uma boa pesquisa, mesmo que no Google, pois creio que meus leitores regulares não precisem pesquisar a esse respeito) consegue se manter atual com sua crítica e humor negro.
Acredito que o cartum a seguir expresse bastante a respeito do atual comportamento do grande público,  consumidor, estudioso ou consumidor de estudos, em relação à tecnologia e à ciência.
E, caso algum dos leitores acidentais tenha interesse em saber mais a respeito do Reiser, que saia da frente do computador e vá procurar nos sebos, pois não estou disposto a postar toda a obra dele aqui no blog, tampouco tenho tempo para tal empresa.




domingo, 18 de setembro de 2011

Depois da exposição do Robert Wilson


Acho que a última vez em que a Marianne Faithfull esteve em Porto Alegre, foi na forma de vídeo, em uma tela de LCD, como vídeo-retrato de Robert Wilson. O que, convenhamos, não é pouca coisa. E pouco importa se na televisão foi dito nada ou pouco a respeito. Não sou mesmo ligado à televisão, não acredito nela como fonte imparcial de informações. Tanto que acabei sabendo das apresentações da Marianne Faithfull em Porto Alegre por outros meios, os quais não pretendo ficar propagandeando aqui, pois não estou sendo pago para isso, este não é um texto sobre os meios de comunicação e não vou me ater ao óbvio ataque à grande mídia com  acusações do tipo "se fosse dupla de música agrobrega ou grupo de pagode todos já estariam sabendo", visto que já acabei dizendo essas coisas a título de exemplo, ficando, dessa forma, registrada a minha indignação. E se o leitor prefere escutar agrobrega, pagode ou aquilo a que injustamente chamamos de música sertaneja e acha que espetáculo musical é somente aquele em que se pode dançar, pular e "curtir", peço que rasgue estas páginas virtuais, apague o endereço dos favoritos e, acima de tudo, não se dirija à minha pessoa em hipótese alguma, tanto de forma física como virtual.
O que realmente interessa hoje é que posso destacar diversos motivos para gostar da Marianne Faithfull:
Podemos gostar da Marianne Faithfull porque ela sabe escolher os músicos que a acompanham; porque ela admite ter sido presa por embriaguez e passado a noite na cadeia; porque ela gosta de músicas a respeito de prisões; por fazer piadas consigo e com a sua idade; por, durante o solo de "Sister morphine", olhar com evidente admiração para o seu guitarrista, estender o braço na direção dele e pedir aplausos; pela sua afinação, por sua voz que parece ressoar dentro da caixa torácica de quem está na plateia; pela sua generosidade com o público; por seu bom humor e simpatia, coisas que não interessam, pois creio que ela teria todo direito de ser antipática e mal-humorada.
Mas, para que ninguém me acuse de tietagem explícita ou tente destruir minha reputação de iconoclasta, dou meu depoimento contra; digo que o show foi curto e temo que ela não voltará tão cedo para se apresentar por estas bandas.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Sem título, embora isso venha a configurar um título

Só tenho a dizer que um bom escritor é aquele que consegue fazer algo extraordinário a partir de algo medíocre ou mesmo péssimo. Quando comecei a tomar consciência política, ou melhor, consciência da política, ao menos no modo de dizer, já que até hoje me considero meramente intuitivo em termos políticos e minha ida à urna seja apenas para cumprir a obrigação e para sacar o canhotinho de comprovação, embora demonstre um insistente pendor para a esquerda. 
Todavia, o assunto não é minha orientação política, social, intelectual, ideológica ou partidária, haja vista que não sou filiado a partido algum e que o assunto é o que faz um bom escritor tanto em seu modus operandi, como em sua formação. De qualquer maneira, deixando de lado essas digressões, creio que marcou-me profundamente o período político passado do Mello, embora ainda presente (só que em outro cargo político eletivo, infelizmente) como também do Cardoso (infelizmente), dois períodos muito marcantes para minha formação de dispensador político. E não apenas isso, como também houve um tempo em que o ministério da economia estava atirado a uma mulher que conseguia cumular esses dois sobrenomes marcantes para a política em um único nome e também para atirar a economia do país em, se não seu período mais esquecível , o mais temerário. Não que eu queira dizer que o gênero da ministra teria influência sobre sua atuação, nada disso. Acho até que foi de grande força simbólica termos atualmente uma presidente fêmea, e que talvez certas barreiras estejam caindo, embora eu acredite que as barreiras continuem ainda as mesmas, pois nossa nação é extremamente ignorante, preconceituosa e suscetível e que tal vitória não passa mesmo de conchavos, conciliações e conveniências, mas mesmo assim e apesar disso, tenho de ser otimista e procurar ver algo de bom, ou seja, enxergar a eleição da mulher presidente como uma transgressão ao nosso arcaísmo e machismo, o que de certo modo não deixa de ser, também, uma revolução cultural, mas no fundo tudo isso não passa de uma grande besteira.
Ademais, sobre o ofício de escrever, posso dizer que a mim foi revelado que o Fernando Sabino só poderia mesmo ser um grande escritor, pois, após toda aquela lama, ainda foi capaz de escrever a biografia da Zelia, que não dizia nada com nada, como qualquer político e, apesar de tudo, fazer com que fosse, ao menos, um texto bastante interessante, cuja leitura proporciona certo prazer estético, e que, se o livro não se propõe  involuntariamente a uma indagação válida a respeito do que aconteceu naquele período, pode ser visto como um extraordinário esforço, comparável talvez a um milagre, para converter uma história tenebrosa em um relato primoroso. Ou isso, ou minha simpatia pelo escritor é tanta que não consigo ver mais nada, nenhum defeito, não conseguindo conceder ao Fernando Sabino uma palavra de desconforto ou apresentar-me inconformado com o livro e com seus motivos, como também não me disponho a maiores discussões e dou o assunto por encerrado e, claro, "O encontro marcado" é mesmo capaz de absolvê-lo por um bom tempo de várias coisas, inclusive de loucuras como essa. Mas, finalizado, posso dizer que não paguei caro pelo livro, tendo adquirido-o em um sebo, pelo surpreendente preço de dois reais, como também aviso que sei que muitos tentarão fazer uma piada ou traçar uma relação entre os nomes dos presidentes em questão e o nome do escritor, peço apenas que nesta ocasião me poupem de tamanha falta de imaginação.

sábado, 10 de setembro de 2011

Boa educação

Diálogo captado no fundo do ônibus lotado:
- Obrigada pela gentileza.
- Foi sem querer.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Setembro só faz sentido quando acaba

Chega setembro, mês da chegada da primavera e de tantas outras comemorações, e escrevo justamente sobre setembro, mês marcante na história da humanidade, mas cujas datas não parecem fazer muito sentido; portanto, entendo, ou ao menos vislumbro, o que João Ubaldo Ribeiro queria dizer.
Interessante seria dar uma boa olhada nas datas, algumas comemorativas, outras, nem tanto:
- Sete de setembro: dia da independência do Brasil, data em que o país mudou de dono, motivo de desfile de tanques, caminhões e tropas do exército; marchas pelas avenidas, hino nacional tocando, todos em posição de sentido. O que, de longe, talvez dê a entender que setembro tem sentido, ou, pelo menos, é o que aqueles que possuem um espírito piadista e com forte pendor para piadas óbvias podem vir a dizer, mas não se deixem enganar, isso não significa nada. Talvez o ato de hastear uma bandeira seja simbolicamente interessante, no sentido de buscar a verdadeira identidade nacional, o que, na minha humilde opinião, deveria ser feito através das artes e da literatura, se não apenas da arte como um elemento sólido e único.
- Vinte de setembro: só faz sentido no Rio Grande do Sul. O gauchismo emerge, as pessoas falam um estranho linguajar; cavalos saem às ruas montados sobre equinos. O gaúcho é o melhor ser humano de todos; se não, pelo menos o mais nobre, o mais valente; o Rio Grande do Sul tem as paisagens mais bonitas e o povo é gaúcho. Lembro que eu morava em frente a uma praça que ficava no caminho entre um centro de tradicionalismo e a avenida onde aconteciam os desfiles. Os sujeitos paravam para urinar na praça, durante o dia e, com seus cavalos, destruíam e bostevam nos canteiros lá existentes, o que certamente demonstra o exacerbado amor pelo solo, tanto alardeado pelos gaúchos na ocasião. E claro, digo isso com a autoridade de quem nasceu neste estado, ou melhor, Estado.
- Onze de setembro: sinônimo de atrocidade; claro, a morte de pessoas inocentes é realmente algo atroz, assim como a chancela da ditadura na América Latina, a invasão de diversos países, seja pela força, pelo comércio ou pela economia, ou por todos esses motivos, o desrespeito pela soberania das nações, o uso de cobaias humanas na Guatemala etc.
- Trinta de setembro: dia da secretária; eis uma data a ser comemorada. A secretária é, seguramente, a pessoa que mais trabalha em determinadas repartições, é quem organiza a agenda, aguenta ataques histéricos do chefe e dos clientes que pedem explicações, certamente a pessoa que mais acumula funções; se fosse musicista, certamente tocaria jazz, pela capacidade de improviso. Portanto, fica essa data a salvar setembro, no último dia, para, junto com a chegada da primavera, dizer que o mês não foi em vão.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Melhor crítica ao novo poeta

Esquece, poesia não é o teu negócio. Além de escreveres feito um adolescente preocupado com espinhas, a autopiedade está fora de moda há muito...

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Mudo, mas não fico mudo

Mudar de uma cidade para outra é realmente assustador. Por lá temos pessoas diferentes, paisagens diferentes, lugares e todas essas coisas sobre as quais os poetas gostam de elaborar versos, para depois chamar de poesia urbana. Seria bem diferente se eu estivesse de mudança para a zona rural, nesse caso chamariam a poesia de poesia rural ou do campo. Tudo diferente, só eu é que continuo sendo o mesmo de  de sempre, pelo menos por enquanto e até onde eu saiba. 
Também é um  problema a mudança em si; tirar as coisas dos lugares para colocar em outros lugares. Depois de tanto esforço o sujeito acaba vendo que acumulou coisas demais, que poderia ter economizado se não tivesse comprado tanta coisa, aquele livro, aquela revista. Qual era mesmo o artigo que interessava? Não sei, só sei que agora é entulho e não tenho caixas suficientes para carregar tudo que acumulei.
Mas essa é apenas a parte divertida da coisa toda. Na verdade, tudo começa a ficar mais sério quando o sujeito percebe que acabou empacotando os livros de forma, digamos, indigna, ou seja, os livros do Campos de Carvalho juntos com aquele livro do jornalista polêmico de merda, cujo nome prefiro não citar, mas que, apenas por pensar no assunto, chega a dar cãibras, que foi-lhe presenteado em um amigo secreto e acabou guardado na estante somente por consideração à pessoa que presenteou. No meu caso, saio por aí dizendo que o Campos de Carvalho nunca viajou tão mal acompanhado, pelo estilo ou pela originalidade do texto. Imaginem só o que aconteceu com os livros do Jorge Luis Borges.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Desexplicação necessária.

Aos que pensam ou desejam que eu tenha abandonado este blog, vou dizendo logo que estão muito enganados. É apenas a minha forma de me conformar com o fato de que agora ideia é assim mesmo, sem acento. E isso faz toda a diferença na hora de escrever, já que dentro da cachola, onde ocorre a maior, se não toda a criação idealística textual aqui despejada, expulsa, expurgada ou expressa, para não soar tão opressor, já que agora muda a forma mas não muda o significado da ideia, ou "de" ideia. 
Mas acredito que a tal reforma tenha lá mesmo suas vantagens ou, pelo menos, a palavra ideia passa a ser diferente, menos aguda, o que leva a crer que das cabeças sairão menos agudezas, o que muita vantagem oferece, sobretudo ao governo e aos meios de comunicação de massa. A partir de então, todas as ideias serão diferentes, carentes um sinal. Se não em todas, pelo menos naquelas proferidas a até a homologação do tal acordo. E acordos são todos assim, diferentes de acorde, tensionando uma ligeira referência a acordar, e, apesar de todos esses significados, diametralmente opostos a despertar.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Protesto

Pelo menos para manter aceso este espaço, mesmo que ande eu com uma tremenda escassez de de idéias, ou, no mínimo, com uma baita preguiça. Digo preguiça para poder me considerar um pecador que comete um dos sete pecados capitais, para que eu  meus leitores possam me considerar um sujeito mais interessante, ou mais covarde, já que a preguiça é tida como o menor dos pecados capitais, mas mesmo assim um dos capitais. Aproveito, também, para deixar avisado que não não apenas não aceitarei provocações do tipo: pecado capital é aquele cometido em Porto Alegre, Goiânia, Belo Horizonte etc., como também acho que nós (eu e vocês, caros leitores), não seremos acometidos pelo vício da facilidade de dizer que pecado capital é quando o sujeito vai fornicar em Porto Alegre, Goiânia, Belo Horizonte etc., mesmo porque qualquer pessoa pode cometer qualquer pecado em qualquer uma dessas cidades, portanto, não só o da luxúria. O cidadão pode ficar,por exemplo, irado em Porto Alegre, com inveja de algo em Goiânia e fartar-se de comida típica em Belo Horizonte, ou invejar algo em Belo Horizonte, ou mesmo exercer sua avareza no interior, sem viajar para capital alguma, a fim de amontoar dinheiro para simplesmente não gastar, 
Mas já que mencionei aquele estado, digo que, quando do desaparecimento do Carlos Drummond Andrade, eu morava em Minas e percebi, mesmo jovem demais, que aquilo causara grande comoção (acho que não só por lá como também no resto do país), mas a verdade é que tal comoção constitui um objeto de inveja, posto que na época do desaparecimento do Quintana eu já estava de volta ao Rio Grande do Sul e vi que pouco se falou, ou ao menos assim me pareceu na ocasião. Algo de certa forma coerente com a poesia Quintaniana.
Mas o real protesto nada tem que ver com tudo que acima foi dito, que serviu apenas para que eu ganhasse um certo tempo para formular um argumento válido e consistente para o que tinha a escrever agora, neste parágrafo, mas ao chegar neste ponto do texto, tendo passado por comentários sobre idas e vindas de pecados, poetas e capitais, acabo de chegar à conclusão de que meu protesto contra a falta de educação de certos professores não faz mais sentido e, portanto, exclua o leitor o último parágrafo deste texto e considere um protesto somente o que foi escrito nos anteriores.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Dia mundial, internacional, continental, nacional, estadual e municipal do Rock

Paradoxalmente o que faz de nós o que somos no presente é o que fomos no passado, mesmo que não muito distante. Portanto, o que experimentamos hoje nada mais é do que uma projeção de algo que ocorreu antes entrecortado por um bocado de sensações, julgamentos morais e subjetividade e talvez por isso mesmo o cérebro fique preguiçoso se não aprender nada novo. O cérebro atrofia-se caso não precise se preparar para projetar coisas e fazer comparações futuras, ou no caso, presentes.
Mas a verdade é que pessoa alguma de minha geração ou da geração futura pode compreender o que foram os beatles, já que receberam a informação através dos pais, como no meu caso, que tenho pais que amam os beatles e gostam dos Rolling Stones com algumas restrições, então o julgamento subjetivo foi-me passado e absorvi a antipatia ou a simpatia, dependendo da antítese cabível em determinado contexto.
Levando tal consideração em conta eu nunca poderia fazer algum julgamento preciso a respeito dos beatles  ou dos Rolling Stones, já que minhas impressões estariam contaminadas pelas de meus pais e de toda uma geração anterior com um bombardeio de informações mais ameno do que os bombardeios de informações de hoje, mas bombardeios mesmo assim, com direito a confusão e vertigem mental.
O Quino, criador da Mafalda, disse em uma entrevista que os beatles estragaram-no musicalmente. A própria Mafalda de suas tirinhas é fã dos beatles, assim como outros da sua turma. Mas da declaração do Quino, o que mais me chama a atenção é o uso da palavra "estragar". Talvez o maior prejuízo que os beatles tenham causado para a geração de meus pais, além de tornar as calças jeans mais caras, segundo o próprio George Harrison, foi o de estraga-los musicalmente, de fazer pensar, embora não estivesse muito longe da verdade, que as outras bandas não eram boas. Este era o perigo da meia verdade e das comparações, pois há frequentemente a ideia tosca de que se temos duas coisas e dizemos que a primeira é melhor do que a outra, fatalmente a segunda passa a ser ruim. Corremos, então, o perigo da privação e da não experimentação.
Mas como foi instituída uma data para comemorar o dia do rock, acho bastante justo e cordial escrever algo sobre rock e estas ilações anteriormente erguidas servem não apenas para justificar o fato de eu não falar hoje a respeito dos beatles, como para provar que posso não falar a respeito dos beatles justamente falando nos beatles.
Mas como hoje não quero perder tempo com ilações profundas ou com infindáveis digressões filosóficas venho apenas contar uma história que tem a ver com o rock e de como este maldito ritmo conseguiu corromper minha mente de uma vez por todas.
Acho que tinha na época uns 14 ou 15 anos e surgira, lá em casa, um disco do Jethro Tull. O aqualung, com aquela capa intrigante, uma pintura, diferente das outras capas. Claro, eu já sabia o que era rock, como a coisa funcionava, que tinha guitarras distorcidas e gente gritando no microfone. Sabia, inclusive, do protocolo do rock: introdução, refrão, solo de guitarra, eventualmente solo de bateria, que não podia ser muito longo, exceto nos discos ao vivo, e conclusão. Basicamente era isto.
Mas da vez primeira que ouvi Jethro Tull tudo pareceu perdido. Quer dizer, as guitarras estavam lá, mas tinha também violões e piano, o vocalista não gritava tanto, certas músicas não tinham guitarras, apenas violões, e algumas outras misturavam piano com guitarra. Quando eu achava que viria um solo de guitarra após um belíssimo riff e todo o cliché de composição no rock, vinha um solo de flauta, o que me assustou e ao mesmo tempo encantou. Uma daquelas experiências que são chocantes, mas que sabemos que são invitáveis e que jamais seremos os mesmos ao passar por ela. 
Foi assim que o Jethro Tull me despertou para o rock, ou me transformou no ouvinte de rock que sou hoje. Escutar o Jethro Tull aos 14 ou 15 anos foi algo que rompeu totalmente minhas expectativas com o rock, mas que, ao mesmo tempo, fez com que me tornasse um roqueiro de ouvido mais apurado, já que eles tinham acabado de derrubar enormes clichês, ou pelo menos assim me pareceu na época.
E isto é o que tenho a dizer sobre o dia mundial do rock, afora agradecer por não ter que, nesta data, gastar dinheiro com presentes ou ser repreendido por ter negligenciado algum parente ou seja lá quem que esperava receber um cartão.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Fluidez

Poesia é assim,
é escrita espremida
no canto da folha
como se tentasse
escorrer
pela margem
e se prosaica corre ela
para o caminho do meio da página
sem rimar fica então
chamada de prosa em vão.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Espécies em extinção II

Quem lê enciclopédia hoje em dia? Aliás, quem lê hoje em dia? Acho que nem mesmo eu, já que simplesmente escrevo e escrevo e vou atirando tudo por aqui mesmo. O Jorge Luis Borges era um grande leitor de enciclopédias, e provavelmente por isso mesmo Borges tenha produzido toda aquela (belíssima) literatura chamada literatura de referência. Mas Isso nada tem a ver com o fato de que uma peculiar espécie foi dizimada pela internet e sítios encilopédicos existentes por aí, soterrada por toneladas de facilidade de informação, especialmente porque a vista e a visita de tal espécie era evitada quando batia às portas dos lares, tentava agendar uma visita, despertava a raiva nas pessoas, era mais perseguido pelos cães vira-latas que guarneciam as residências do que os carteiros, com o agravante de que, sobre eles, as donas de casa atiçavam os cães para que não teimassem em voltar ali. O sujeito em questão é o extinto vendedor de enciclopédias.
Sim, eles tentavam tirar seu sustento da chateação das donas de casa. Afinal, sempre tocavam a campainha lá pelas onze, onze e meia da manhã, justamente quando elas estavam ocupadas fazendo o almoço para os filhos que estavam por chegar do colégio, o que certamente colaborava muito para fossem enxotados. Talvez este fosse seu maior erro de estratégia, junto com a falta de visão, por não procurar um novo emprego, prevendo que a internet haveria de chegar um dia e, junto com ela a wikipédia, que não tem resposta pra tudo, mas bem que engana.
Eram tempos em que os trabalhos do colégio eram feitos da base de copiar, copiar e passar a limpo. Nada de control mais c e control mais v. Tudo na base do punho. Veja bem: foi extinto o vendedor, não a enciclopédia, já que podemos comprar livros em alguma livraria virtual, sem ter que abrir as portas da casa e convidar para entrar aquele cara que passaria horas falando sobre as vantagens dessa ou daquela coleção, sobre a que possuía mais volumes, tinha mais figuras, era mais simples, era mais completas,enfim, tudo que se pode querer de uma boa enciclopédia.
Mas o vendedor de enciclopédia insistia, dizia que tinha a solução para o futuro dos filhos, além de uma alternativa de lazer que viria a enriquecer mais ainda a cultura dos pestinhas estudantes. Claro, eu mesmo tenho uma enciclopédia em casa. Não sei como foi comprada. Tem figuras e a pesquisa é feita através de um índice com tudo organizado em ordem alfabética. Estas últimas explicações eu dou para a eventualidade de  algum dos meus leitores ter nascido na época pós google, quando nem os acentos são colocados nas palavras, já que o corretor ortográfico do editor de textos se encarrega de corrigir os erros mais bizarros.
Mas a verdade é que sabe-se que o vendedor de enciclopédia foi extinto pelos tempos informatizados que atravessamos hoje. Ela não bate mais de porta em porta oferecendo coleções de livros com nomes esquisitos, divididos em vários e pesados volumes. É verdade. O vendedor de enciclopédia foi extinto. E o pior é que ninguém sente falta dele.

domingo, 12 de junho de 2011

O laranja

Sempre guardei uma mágoa enorme por nunca ter completado um álbum de figurinhas, especialmente aqueles que davam prêmios. Era preencher a página ou completar um tríptico e lá vinha de brinde uma panela de pressão, um cinzeiro ou uma bicicleta. Claro, para ganhar a bicicleta era necessário preencher uma página com várias figuras e mesmo assim, sempre faltava a tal da figura chave. Na verdade mesmo no caso do cinzeiro sempre faltava uma figurinha. Nunca conheci ninguém que tivesse ganhado algo nesses álbuns. 
Havia também aqueles que eram simplesmente colecionáveis. O sujeito comprava as figuras, colava e no final podia apenas olhar, correr as páginas e ver que estava tudo ali, sem faltar nada, somente pelo prazer de ver todas as figurinhas coladas, como haviam também outros prazeres, como o de pensar que no futuro um álbum completo poderia ser vendido para algum colecionador por uma verdadeira fortuna. Claro, quanto mais perto chegava do fim, mais difícil ficava abrir um pacote de figurinhas e não haver nenhuma repetida ali dentro. 
Mas para extirpar da mente tão pesado trauma, aos trinta e tantos ou trinta e poucos anos resolvi cair na empresa de tentar completar um álbum. Tenho de admitir que é um tanto constrangedor entrar numa banca de revistas e disputar um lugar na fila com algum carinha de onze ou doze anos para comprar pacotes de cromos (assim são chamadas as figurinhas nos dias de hoje) e com igual constrangimento escutei a sugestão do dono da banca de que levasse as figuras repetidas para  trocar, por conta do que comecei a me imaginar sentado em volta de uma mesa cuja altura não passaria de meus joelhos, junto com um bando de fedelhos, disputando a tapa as figurinhas. Um gritando: 
- Eu quero a número quarenta e oito, quero a quarenta e oito!
Outro já demonstrando uma certa índole trapaceira, tentando convencer algum dos coleguinhas ou a mim mesmo a fazer  alguma troca em um esquema de três por uma.
Então, passei a pensar que para evitar tal embaraço poderia simplesmente mentir para o vendedor, dizendo que o pacote de figurinhas (cromos) são para meu sobrinho que está colecionando. Afinal é um álbum de futebol e o guri está começando a torcer, e acho que seria um incentivo para a prática desportiva, e que o sedentarismo é um problema já na infância e não queremos um guri obeso e jogador de videogame compulsivo na família. 
Mas sempre penso que poderia, sei lá, entrar algum conhecido na banca quando eu estivesse aplicando tão baixo golpe no vendedor da banca, pois todos sabem que meu sobrinho ainda não está em idade de colar figuras em um álbum, a menos que eu queira fazer o guri passar por superdotado, mas um superdotado não estaria preocupado em completar um álbum de futebol. Mais um elemento para desmentir esta trama.
Então surgiu uma solução simples, definitiva e cem por cento eficiente. Arranjar um laranja. Um guri de onze ou doze anos que me compre as figuras fingindo comprar para si, para depois entregar o pacote para mim. Tal como fazíamos há uns anos atrás, quando pedíamos para algum irmão mais velho de alguém da turma comprar uma revista adulta nas bancas.
Arranjei um sobrinho de um amigo. Dava-lhe o dinheiro, ele entrava na banca, comprava o pacote, entregava-o para mim e eu ia contente para casa colar as figuras no álbum. 
Mas eis que tão engenhoso plano fracassou. O guri me exigiu uma porcentagem das figuras, caso contrário não compraria mais. Até tentei negociar, oferecendo-lhe as repetidas, que afinal eram várias, mas o carinha estava irredutível. Era metade ou nada.
Mais um álbum que deixo de completar.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Outro outro

Aviso que este texto foi totalmente baseado em minha memória. Portanto, se eu cometer o pecado da omissão, não é para atentar contra qualquer inocente, a não ser contra mim mesmo, mesmo que não seja eu tão inocente; e como não há aqui a intenção de causar prejuízo de qualquer ordem ou desordem, pois o principal envolvido sou precisamente eu, digo que este talvez falso testemunho não possa me levar ao index ou algo do gênero.
Não creio que a memória possa ser-me fiel, mas acho que também ela seja capaz de mover uma montanha ou outra. Se não tanto, ao menos pode alterar, para mais vivas ou mais desbotadas, algumas cores do mundo, mesmo que de um mundo particular, originado de minha própria lembrança e, portanto, de minha própria memória e, justamente por esses fatos, é que não lhe tenho tanta devoção, pelo menos na medida certa para não alterar este singular relato. 
Havia saído do serviço para o intervalo de almoço, numa manhã de inverno absurdamente fria, mas ensolarada. Cansado, como sempre, desanimado, os olhos pesados... não só pela manhã que já configurava um objeto do passado — portanto da memória, mesmo que ainda muito vívida — mas também pelo assombro da tarde vindoura, quando resolvi sentar em um banco da praça, para tomar algum fôlego, justamente em frente a um antigo teatro (hoje pecaminosamente interditado), numa época que ainda havia um espetáculo e outro por lá, quando percebi, mas apenas por um relance do olhar, que um sujeito velho, de pálpebras marcantes e olhar fugidio, posto a assobiar sentou-se ao meu lado, na outra ponta do banco.
Pensei tratar-se de outro, feito eu. Mas era apenas alguém que passava e, por puro despautério, sentou-se no mesmo banco, mais para apreciar a paisagem do que propriamente para tentar fazer com que eu me movesse dali. Pensei, também, que, se Jorge Luis Borges poderia ser capaz de encontrar a si mesmo sentado em um banco, poderia eu da mesma forma encontrá-lo. Mas não: simplesmente saí novamente a caminhar em direção à tarde que se aproximava, quando ao dobrar a esquina vi chegar, vagarosamente, outro, idêntico àquele que se sentara no banco momentos antes, para então tomar a outra ponta do banco.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Velha poética

Após tentar enfrentar o cânone, proferindo um tipo de escrita formalmente subversiva, ou pelo menos semanticamente intrigante, ou mesmo ensaiar um pequeno e quase inaudível rosnado contra o tal, ainda que de forma bastante tímida, e romper com os padrões formais da literatura, sendo atacado por todos os lados e em todos os sentidos por loucos, invejosos, puxa-sacos, deslumbrados, ociosos, ignorantes, pseudo intelectuais e pelos mais diversos tipos de ser humano, leitor alfabetizado ou analfabeto, sendo mal interpretado e mal interpelado, chego à conclusão de que, após breve reflexão a respeito da teoria do poeta sórdido, do Manoel Bandeira, a nova poética é inatingível, pelos leitores, mas principalmente pelos poetas, que se voltam cada vez mais não só para uma ligação com os padrões e modelos pré-determinados, mas para uma composição infantil, o que significativamente quer dizer que a nova onda poética que nos atinge é tão falsa quanto a atual juventude comunista que ocupa-se mais de vestir camisetas do Jack Daniel's do que comunizar propriamente, e verdadeiramente, a nova poesia constitui-se de palavras difíceis, conceitos vagos, sentimentalismo, pieguice, não passando de um arranjo de palavras bonitas, mas ao mesmo tempo vazias proferidas não menos que por alguém sentado em uma cadeira na frente de um computador a lamentar ou a exaltar um amor passado e ido, fictício ou real, mas seja lá como for, afogando na retomada vã do romantismo, do tipo: oh, meu irmão, quem como eu a não te ver está cansado das sombras diáfanas que aos olhos metafóricos fogem da esfinge no sofá e blá-blá-blá.
Eis que surge um novo poeta forrado de velho. Todavia ainda existem aqueles que acreditam que o concretismo trará ou trouxe, mesmo no passado ainda não descoberto, uma explicação para tudo isto, ou ao menos mais uma teoria, mais como manifesto do que como movimento em si, mas sabendo que tudo isto seria possível ou tentado, também eles teriam desistido.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Parei de fumar cigarros

É verdade. Mandei aos diabos aquela imagem mental do intelectual que solitariamente fuma enquanto tece um novo texto, ou toma café e acende um cigarro para, com bastante charme, reiterar seu pessimismo inato. Claro, tudo coisa de intelectual. E afinal de contas essas imagens fazem muito sentido, desde que a pessoa esteja em Paris nos anos de mil oitocentos e quarenta, ou em outro lugar qualquer onde se possa indiscriminadamente dar umas baforadas.
Nunca pretendi usar este espaço para exercitar a pieguice, mas parar de fumar é algo que requer bastante ajuda, de si mesmo e algumas outras, vindas do exterior, digamos. O pior é que, quando se larga a merda do cigarro, tudo em que se pode pensar é que aqueles relatos dos que diziam que era uma experiência bastante intensa e dolorosa estavam absolutamente certos. 
O sujeito para de fumar tabaco e passa a ter prisão de ventre, insônia, dificuldade de concentração, irritação, o humor piora bastante, dentre tantas outras manifestações sintomáticas e assintomáticas também, além de que os benefícios por parar parecem vir somente depois de muito tempo, ou ao menos são percebidos somente depois de um tempo considerável.
Seja como for, é preciso encontrar um motivo para manter a coragem e a determinação, caso contrário, logo o sujeito não só passa de ex-fumante para fumante passivo, porque passa a procurar rodas de fumantes para disfarçadamente poder inalar um pouco de fumaça, como também corre o risco de voltar a fumar desesperadamente um cigarro após o outro, acendendo aquele que recém foi sacado do maço naquele que acabou de fumar, já sem esperança de parar em qualquer tempo, já sem sequer pensar na imagem do intelectual, já sem degustar pelo menos um café forte ou fraco, já sem ligar para o resto todo, pensando apenas no prazer imediato garantido pelo minúsculo tubo de fumaça.
Um dos argumentos encorajadores para o candidato a ex-fumante é o de que, logo depois de completar um mês, pode-se procurar outros amigos, que também pararam, para juntos contarem a todos na roda de conversa sobre o esforço heróico, sobre como foi difícil, sobre como não se deixavam abater a cada vez batia aquela miserável  vontade de acender um daqueles malditos.
Também constitui um excelente argumento o fato de que o governo arrecada milhões em impostos sobre os cigarros, dinheiro este que pode muito bem ser canalizado pelos canais de corrupção e financiar sabe-se lá qual barbárie. Claro, se o sujeito que tenta parar é daqueles que não acredita em corrupção, podemos usar este dado de outra maneira, visto que poderá passar a ser visto como subversivo por se negar a repassar dinheiro de impostos ao governo, o que, temos de convir que possui muito mais charme do que soltar fumaça por determinados orifícios do corpo.
Outros argumentos podem ser encontrados nas revistas ou livros de auto-ajuda, claro. Mas não pretendo expor nenhum deles aqui.
Mas existem, também, alguns mitos sobre parar de fumar. Vejamos alguns:
Parar de fumar engorda: Mito. Prova de que tal idéia está errada é que nunca elefante algum fumou em toda sua vida e, conseqüentemente, nunca parou de fumar. Entretanto os elefantes são gordos.
Baudelaire dizia maravilhas a respeito de fumar e enxergar os demônios que assolavam a alma na fumaça do cigarro: Verdade. Mas tenta encontrar o Baudelaire para te dizer isso hoje. Por onde ele andará?  Obviamente não pode ser encontrado (não aceitarei respostas que digam: Montparnasse). Portanto não sei se este pode ser considerado um apontamento válido e apenas citei-o aqui para endossar a minha imagem de intelectual incompreendido, embora atualmente o Baudelaire se me afigure um clichê. E também, essa história de enxergar coisas na fumaça pode não soar muito bem, principalmente depois de umas doses de conhaque, já que do absinto me abstenho.
Mas a verdade é que eu poderia ocupar um enorme espaço virtual do blog fazendo apontamentos e digressões a respeito de parar de fumar cigarros, mas acho que ficaria um tanto cansativo para o leitor habituado com textos rápidos daqui. No entanto, ocupo-me em escrever para não cair na tentação.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Faça você mesmo II

Agora as coisas de modo mais complicado, de forma que servem apenas aos leitores mais avançados e experimentados: 

A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, W, X, Y, Z
a, b, c, d, e, f, g, h, i, j, k, l, m, n, o, p, q, r, s, t, u, v, w, x, y, z.


Embora eu acredite que, mais especificamente no Brasil, possa ser ignorada a existência do "k", do "w" e do "y" e, vez por outra, omitido um "h".


Mas a verdade por trás de tudo isso, de todo esse enigma, é que com apenas algumas infinitas possibilidades de variação e combinação do que está acima exposto posso escrever qualquer livro do mundo, inédito ou não, bem como qualquer pessoa pode apropriar-se destes signos e muito bem produzir infinitas obras.
Desistam, escritores, tudo já foi feito. 

terça-feira, 3 de maio de 2011

Faça você mesmo I

Primeiro as coisas de modo claro e simplificado, mas ao mesmo tempo norteadas por um (in)determinado senso instrutivo do autor, o que, convenhamos, priva parcialmente o leitor do prazer da livre interpretação:
  
Caixa; à; dizer; passa; modelo; texto; portuguesa; martelo; preposições; língua; xícara; palavras; resto; ordem; português; todas; fazer; azulado; gasto; encadeamento; andando; posteriores; saído; ambição; mito; com; água; palavras; papelama; uma; decote; animalização; vendido; carnavalização; livro; laranja; sem; cantos; atirando; ponte; texto; ensolarado; fósforo; qualquer; pronomes; canhão; cachaça; sob; parapeito; ilustração; sexo; janela; aleatoriamente; escolha; saudado; número; sal; substitui-lo; catacrese; verbos; que; catarse; conta; abelha; esquerda; mesmo; cachorro; zênite; existem; obedeça; absorvido; parcial; hereditário; atávico; jacaré; sobre; latinidade; hiato; de; escolhi; mundo; romaria; extraditado; país; diversos; aderente; vãs; best; possíveis; da; que; a; que; a; de; e; no; um; ou; texto; ou; eu; ou; de; muito; não; o; no; de; de; que; a; não; o; o; do; com; livro; ou; o; mais; no; ou; é; a; sua; um; não; de; que; estas; para; que; e; de; sim; que; é; e; palavras; de; do; conceitos; si; de; por; de; no; livro; mas; o; no; as; com; e; texto; as; eu; as; ou; de; a; o; ser; o; ideologia; em; percepção; aleatoriamente; que; da; antecipação; reformulada; contra; harpa; grego; barganhando; gaita-de-fole; vindo; a; esquema; variedade; professor; egresso; canto; impedimentos; fiança; advérbios; senis; actum; perfeitamente; para; número; pós; quinquilharias; ante; coração; desde; parlamento; diminuída; nosso; vós; entre; quarenta; palavras; este; qualquer; maiúsculas; ligação; guardarei; também; e; far-se-á; chamado; que; da; ordem; algumas; considerado; texto; umas; talvez; assim; com; parafrasear; alfabeticamente; próxima; assim; pode; determinado; inteligível; representado; escritor; minúsculas; encadeamento; macaco; comprovações; colocação; grafemas; portuguesa; sentido; introdutório; palavras; da; enigma; em; subjetiva; defendido; aleatórios; sinonímia; mais; exprimindo; eternidade; psicológico; de; mas; talvez; teorizações; apenas; pode; que; como; para; mercê; fonemas; para; escreveria; envolverá; para; seja; sendo; quer; diz; ser; datilografando; pista; aleatórias; apenas; aquela; que; vários; leitor; decifrar; como; alemão; uma; sua; texto; livre; letras; os; que; o; não; ou; leitor; piada; nenhum; dispuser; pois; tenho; palavras; uma; ordenadas; toda; que; pela; livros; brasileira; deixarei; alguma; dois; utilizadas; para; italiano; um; mas; é; gostaria; confundir; autor; produzir; se; apenas; bem; portanto; seja; texto; que; provar; premiado; sobre; faz; este; mesmo; adjetivos; da; leitor; teoria; bom; palavras; muitos; indiscriminado; passam; seja; palavras; utilize; francês; das; mundo; escrevi; seller; soltas; erotismo; sintaxe; difere; melhor; qualquer; categorias; do; dizer; mundo; em; alguém; soltas; fazer; como; obra; uma; conceito; sem; mas; qualquer; latim; isto; relação; pessoa; encadeadas; como; desse; criança; vez; fundo; uso; existentes; tipo; portanto; as; mesmo; para; já; pelo; tanto; seu; velho; foi; sejam; que; ou; sem; o; entre; bem.




Maiores informações em um momento mais oportuno. Mas tanto tempo de trabalho para nada?

sábado, 30 de abril de 2011

Definições do cético

Eu não acredito no dicionário. Deixar uma palavra eternamente vinculada a um significado qualquer ou específico me parece uma tremenda crueldade. O dicionário é um livro que está fechado para a criação e aberto para a determinação, acho que não deveria vir em formato de livro. Mas existem alguns bons dicionários, claro, como o Dicionário do Cínico do Ambrose Bierce, mas o caso aí já é outro. Então, pelo fim da condenação ao significado das palavras, acho melhor ilustrar as coisas todas com conceitos. Eis alguns exemplos do meu sugerido dicionário:
Malícia: É quando um aluno em sala de aula utiliza-se do expediente de fazer uma pergunta para a professora, durante a avaliação, para poder espiar os seios dela por cima da prova.
Realeza: não significa realidade.
Pronome: pronome é eu, é tu, é ele ou ela também, é nós é vós e é eles ou elas, pode ser oblíquo, reto, pessoal, até átono pode ser. Mas, atenção, pronome não pode ser infinitivo.
Ilusório: ilusório não significa satisfatório.
Pênis: algo que já foi objeto de música do Tom Jobim, juntamente com pedra e o fim do caminho. Já foi objeto de obra de literatura adaptada para a televisão, como é o caso do Sítio do pênis-pênis amarelo.

E depois de tão rica e inteligentemente demonstrar estes conceitos, podemos concluir que há de ser mandada mandado à merda a idéia de se expressar condições das pessoas abrandadas por certas palavras, que são usadas de forma preconceituosa numa tentativa frustrada de igualar as pessoas. Mas logo pra cima de mim, que acredito que a maior graça da humanidade é que todas as pessoas são diferentes umas das outras. Portanto, o que deve ser mudado não é a palavra utilizada para se referir a uma pessoa ou grupo de pessoas, mas sim o conceito, e este só pode ser modificado mediante um profundo esforço de consciência.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Como são?

Vou te dizer uma coisa. Comoção é coisa que não devia acontecer nunca com a gente. É coisa do mal, que faz a gente chorar, ou quase, quando vê e ouve uma orquestra tocando, sem se importar se parecem ridículas as pessoas com cara de idiota rebolando no parque, achando até que a gente tem é vontade de fazer a mesma coisa, mesmo que pareça um palhaço sem picadeiro ou pintura de guerra, mas que no fim das contas deixa de fazer por não ter coragem mesmo. Comoção é uma merda, faz a gente ficar com saudade e querer voltar no tempo, pra depois amargar a decepção de bater com a cara no muro ao descobrir que máquina do tempo só em livro ou filme de Hollywood.
Comoção é essa coisa que a gente tenta esconder, mas sempre tem alguém mais esperto para descobrir o que se passa, destruindo a golpes de inferência toda essa fama de durão.
Comoção é coisa que faz pensar. E pensar, hoje, como ficou muito bem provado pelos laudos dos psicólogos, não é algo que faça bem, da mesma sorte que um pensador não tem mais seu espaço no mundo que não apenas no museu.
Por isso mesmo que nunca mais vou a uma apresentação de orquestra.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Uns

Gosto do "uns". É o plural de um sem especificar um número determinado, pode ser muito e às vezes é pouco, pode até ser infinito. É suficientemente esperançoso para acender paixões quando alguém diz: vou te dar uns abraços.
É bem diferente do alguns, que exprime apenas indeterminação. O uns tem um jeito de quase indeterminação, mas ainda deixa no ar alguma certeza, ou quase.
O que dele se aproxima é apenas a sua variação "umas".
Existem aqueles que podem alegar que o uns é indecisão, uma tentativa de isenção da responsabilidade. Mas não, ele tem sua própria carga de responsabilidade, como os namorados que se mandavam telegramas com mensagens dizendo apenas "amo-te" ou "adoro-te". Era econômico, como naquele tempo em que o único computador conhecido era o Hal 9000.
Era o que fazia bem ao nosso ego na adolescência quando contávamos vantagem ao ficar com as gurias: naquela dei uns amassos. Provavelmente eram apenas uns dois amassos, mas fazia parecer muito e até mais do que simples amassos. Era impossível de ser desmentido. Afinal, quem contestaria a sua presença?
E servia também para nos tirar das enrascadas em que nos metíamos quando abusávamos do álcool à noite e chegávamos em casa com a mãe a esperar de manhã cedo para dar bronca, pronta para a conversa:
-Quanto você bebeu?
-Apenas uns copos.
Claro, com as mães não costumava funcionar muito bem, mas mesmo assim ainda era esperança suficiente para nos levar de volta pra casa, achando que tudo realmente ficaria bem e que, no caso de ser pego tentando enfiar a chave na porta da casa ao lado, haveria uma boa desculpa.
E, especialmente, dentre tudo que está publicado neste espaço podemos dizer: temos uns bons textos por aqui.

Premiações do Nobel que gostaríamos de ver

Subjetivos são os critérios que levam à atribuição do prêmio Nobel, especialmente o de literatura. Como é atribuído, por que determinados autores parecem sempre bater na trave, exatamente o que determina se essa ou aquela obra é digna de premiação? Provavelmente só a academia sabe. Mas vi, um dia desses, que alguns, provavelmente todos têm uma espécie de epígrafe da premiação, do tipo: pelo zelo lingüístico na composição poética que desvenda mistérios da simplicidade do modo de vida e na política ocidental, ou algo do gênero.
Claro, certos países receberam mais prêmios. Os alemães, os italianos, os espanhóis, os franceses. Saramago, com ironia, imaginação e, acima de tudo, com uma prosa magistral arrancou os portugueses dessa espécie de limbo que é a ausência da premiação. 
Alguns prêmios são tardios, outros precoces, de alguns pode-se reclamar de uma dose de injustiça, de outros que a justiça não foi feita. Mas claro, a academia sabe o que faz.
Já os brasileiros ainda carregam um certo ressentimento por não poder figurar nas prateleiras nacionais um desejado Nobel de literatura, junto com a taça Jules Rimet, ainda que desconfie que um título desse porte não seja muito adequado para se derreter e vender no mercado negro.
Entretanto, nós (mais especificamente eu) da equipe do Douto & Profano, com nossa vívida imaginação, criamos nossa própria lista de premiações com as respectivas citações, a fim de desfazer tamanha injustiça, pelo menos no âmbito da fantasia. Alguns dos premiados seriam:
Campos de Carvalho, por despertar em todos seus leitores o desejo de assassinar o professor de lógica e alegar legítima defesa.
Raduan Nassar, por ensinar que filosofia não é algo exclusivo filósofos, bem como a literatura não é exclusiva dos caretas quadradões, e que mais vale um transbordado copo de cólera do que uma colheita tardia de frutos de uma arcaica lavoura.
Fernando Sabino, por provar que ainda há minas, e mais, despertando o desejo de escrever sobre a arte de escrever sobre a arte de escrever, e assim sucessivamente.
Rubem Braga, por revelar a poesia do cotidiano em simples fatos com enorme zelo estilístico.
Ricardo do Douto e Profano, afinal não custa nada tentar. E também, quem levaria uma lista dessas a sério?

quarta-feira, 9 de março de 2011

Folia é coisa que se faz com quem nada tem que ver com essas coisas

Há os que dizem que o ano inicia após a sua passagem, mesmo que antes disso já tenha ocorrido a posse da presidenta, dos deputados, dos senadores, dos governadores, a nomeação dos ministros e assim por diante, não necessariamente nesta forma tão soberbamente fiel à hierarquia dos cargos governamentais, mas a verdade é que aparentemente só acontece alguma movimentação após a passagem do carnaval. Quer dizer, aquela coisa toda: bloco burlesco, pandeiro, tamborim, bêbados na rua incomodando, gente mijando nas calçadas, marchinhas sem a graça de outrora, escolas de samba, embora os verdadeiros palhaços, pelo menos no sentido metafórico, estejam mesmo é em outras escolas que não as de samba. 
Mas carnaval é assim mesmo e querer mais do que isso é como nadar contra a corrente cultural. Rodovias lotadas, gente correndo no final do expediente, guichês de passagem com filas enormes, acidentes de trânsito, televisão transmitindo desfile e invariavelmente nenhum filme bom para assistir na tevê, eventualmente, uma garrafada ou outra no final da apuração do resultado do desfile das escolas de samba. Por sinal algo que parece funcionar no formato de um campeonato, o que não deixa de demonstrar que o brasileiro tem mesmo um espírito competitivo e que, se há quem diga que o Brasil não tem jeito, esse sim merece ser chamado de alienado. 
Aliás, não gosto de carnaval. Aprecio apenas o feriado, que pra mim é aquele termina de forma mais triste e realista que todos os outros: cinzento, de ressaca, recendendo a cachaça, com a barba mal feita e atirando milhares de confetes no chão ao bater na orelha com a cabeça inclinada para a esquerda.
Mas claro que gostaria de freqüentar algum baile de carnaval por acreditar que pode até ser divertido, já que há sempre uma odalisca ou outra para alegrar a festa, mas digo que se eu tentasse entrar em algum hipotético baile de carnaval fá-lo-ia pelado, alegando que o corpo é a fantasia da alma e metafísica maior que esta só mesmo não pensando em nada. Todavia, gente pelada é o que dizem que há de sobra em qualquer carnaval (mesmo que sem estes ou outros fundamentos teóricos) resigno-me a ficar em casa sofrendo o que chamam de folia e torcendo para que a quarta-feira seja o menos cinzenta possível.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Interpretando os beatles

Fácil é encontrar um beatlemaníaco. Díficil é decidir qual é o mais fanático, quem tem mais discos, quem tem mais ítens raros, quem lembra de mais músicas, quem foi ao melhor show de algum ex integrante e quem é mais convincente para provar para os outros que os Beatles foram a melhor banda de todos os tempos em toda a história da humanidade. Talvez seja por esses motivos que acaba escapando aos fanáticos ora a verdadeira interpretação das letras das, ora a interessante e verdadeira história por trás de tudo.
Mas como sou um fanático defensor do não-fanatismo e à minha perspicácia poucas coisas óbvias escapam, deixarei aqui algumas pistas para que os mais ardorosos fãs possam ter uma linha de leitura inicial sobre as letras, bem como algumas informações importantes.
I want you (she's so heavy): Diferente do que muitos afirmam, não se trata de nenhuma apologia a drogas. Na verdade a namorada de algum deles (melhor não citar nomes) estava engordando e ficava pesada demais para ser carregada.
I should have know better: Poucos indivíduos na face da terra têm inteligência suficiente para interpretar os versos que dizem "deixa essa boneca, faça-me o favor". Eu não sou um deles.
Yellow submarine: A ideia original era criar uma música a respeito de um transatlântico azul, mas os custos seriam fabulosos.
Doctor Robert: Se a jovem guarda fizesse uma versão desta, de maneira alguma chamar-se-ia "Doutor Roberto", muito provavelmente falaria de algum amor juvenil, talvez a paixão de alguma moçoila desmiolada por algum médico mais velho que atendia a família há anos, mas teve de mudar de profissão por causa do incômodo causado pela moça.

E aos fanáticos que queiram me atacar com acusações de profanação vou logo avisando que os comentários indesejados serão sumariamente deletados.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Novíssima gramática ampliada e restrita

Suscitou estrondosa ira dos gramatiqueiros do país, ou melhor, dos países, a ideia marqueteira de chamar a Dilma de presidenta, uns se atiram a escrever artigos em "jornais de direita" (o que para mim já soa redundante) e espalhar correntes de email por aí dizendo que isso corrompe a gramática, que é um absurdo, que é uma violação do sagrado direito da classe dominante letrada e linguisticamente prestigiada de exercer pleno e total domínio sobre os caminhos e a evolução do idioma, outros simplesmente aceitam passivamente essa regra cagada sabe-se lá por quem, ou de onde e saem  apregoando por aí: não existe, não existe, a gramática é estática, a língua (idioma) não se move em nenhuma direção que não o passado! Alguns, admito, argumentam bem e chegam a parecer mais ou menos convincentes, mas não menos antipáticos.
Após minha ligeira campanha particular em prol da liberdade linguística passei a receber, todos os dias, milhares de cartas perguntando se é certo chamá-la de tal forma ou se o particípio ativo não deve sofrer tipo algum de derivação. 
Mas não vou responder a nenhuma das cartas que abarrotam minha caixa de correspondência, e sim aproveitar o lançamento da Novíssima e Restrita Gramática da Nova Lingua Portuguesa, que em breve estará disponível nas melhores e também nas piores livrarias. Essa gramática traz uma nova proposta de análise do paradigma linguístico de Lavoisier, análise sintática segundo o diagrama de Pauling e o novo método de conjugação verbal de acordo com os postulados de Couper e Kekulé.
E depois que todos aqueles que me escreveram fizerem a leitura desta fantástica obra de gramática analítica e descritiva, aí sim estaremos prontos para discutir o problema (se é que assim pode ser chamada a questão) sob a ótica da lógica e talvez da negação, já que para mim, rejeitar derviações e neologismos parece uma tremenda negação da lógica.
E um aviso aos violadores da lógica da lingua: que pensem melhor antes de me enviar emails contendo críticas à flexão de gênero e emprego de determinados adjetivos e substantivos, pois prefiro receber aquelas correntes de simpatias para ficar rico, pelo menos é uma esperança...

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Todos deverão sair do horário de verão?

Termina hoje, ou melhor, amanhã, o horário brasileiro de verão. Aquele que causa inúmeras reclamações a respeito de sair do rítmo normal, ter de acormar mais cedo e perder horas de sono na transição de um horário para outro, sem falar é claro, na confusão criada sobre como cumprimentar as pessoas, já que podemos saudar alguém com "boa noite" às 20:00, sendo, no entanto, ainda dia claro.
E aparentemente tudo volta ao normal no momento em que se atrasa o relógio em uma hora à meia-noite do dia marcado (no caso hoje), mas estranhamente este dia passará a ter duas meias-noites o que, nem por isso chega a somar uma noite inteira. 
Portanto, para fazer jus ao nome do blog, para profanar a mudança de horário e para colaborar ainda mais com a alegada economia de energia elétrica, a qual na verdade é o pretexto para a existência de um horário especial, chamado de horário de verão, o qual, mesmo assim se chamando, tem início na primavera, e curiosamente essa suposta energia economizada é gasta no natal com aquelas iluminações especiais todas,(se bem que aí já acredito que a culpa seja toda do papai noel, que utltimamente não parece estar muito engajado nessa causa) sugiro que se adiante mais uma hora à meia-noite, já que assim a economia será (re)dobrada, sem falar nos benefícios, por exemplo, na hora de pegar trânsito, pois que os que não aderirem (acredito que a maioria da população) ainda estarão dormindo em suas respectivas casas, aliviando o tráfego nas cidades, pelo menos nesses horários, e da ajuda divina que aqueles que aderirem ao novo horário passarão a receber.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Do favor ou de como não estou inspirado para intitular um texto hoje

Muito se fala a respeito do trabalho, que o nível de desemprego caiu, que o número de pessoas empregadas aumentou, mesmo que isto não influencie diretamente na qualidade de vida das pessoas ou no nível de miséria do país, já que aparentemente o trabalho, como hoje é concebido, não passa de uma forma de distribuir privilégios para pessoa privilegiadas. Mas este também já é outro assunto. Há os que dizem que o trabalho serve para emagrecer o homem, enriquecer o patrão, explorar o operário, cansar o homem, enobrecê-lo, dignificar, aviltar, deixar doente, dentre tantas outras coisas. Afirmo, mas não querendo bancar o contrariador compulsivo, que o trabalho pode curar sérias doenças, pelo menos do corpo, já que daquelas da alma apenas a arte se encarrega. Pois eu mesmo posso dizer que obtive grandes melhorias de saúde a partir do momento em que comecei a trabalhar, já que fiquei totalmente curado de meu priapismo.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Aviso útil

Para prestar uma certa satisfação aos que acompanham este produtivo e prolífico espaço virtual, mas acima de tudo com o intuito de aplacar a tristeza dos ávidos leitores que chegam a implorar por uma nova postagem, tachando-me de escritor improdutivo, ou de escritor fracassado ou de fracassado escritor, aviso que, daqui por diante, passarei a publicar textos na tanto na primeira pessoa do singular, quanto na primeira pessoa do plural ou na terceira pessoa do singular, uma vez que a narrativa em segunda pessoa não é permitida, ainda.
Se tal informação não é de magnífica importância para os leitores, ao menos serve como consolo para aqueles que acessam esta página e nada encontram, senão os velhos textos de sempre, e com os olhos tristes de quem procura um bom livro no sebo, mas só encontra romances baratos.
Certo, a vantagem de escrever por aqui é que, além de não ter de derrubar árvores para produzir papel, certamente este papel feito de alguns megabytes de informação virtual (sobre as quais não tenho envergadura moral ou conhecimento técnico suficiente para discorrer a respeito) também não é acometido pelo amarelado do tempo, mas a verdade é que também eu me sinto incomodado pelo abandono deste espaço. Claro, abandono no sentido figurado, já que sempre dou uma olhada ou outra no link do blog para ter certeza de que ainda não fui banido por subversão, ou mesmo por improdutividade.
Mas sabemos que uma postagem como a presente é assim, sem sentido aparente, cheia de floreios que não levam a lugar nenhum, a não ser para longe do computador. Isto para os leitores mais irritadiços e desleais, que esperam sempre que tenhamos alguma ideia nova para escrever a respeito e publicar por aqui, enquanto aqueles leitores mais pacientes e leais permanecem sentados na frente do computador, mesmo que não necessariamente nesta página para si tão querida e que acabam percebendo, após horas ou segundos divagando a respeito do que aqui é dito, o delicado jogo de troca de focos narrativos aqui proposto, mesmo que com o objetivo não necessariamente ou plenamente alcançado.
Sabe-se, então, que a opção do autor por escrever sob diferentes focos não acarretou em grandes mudanças estilísticas e tampouco aprimorou a retórica, mas sempre acaba por se tratar de um assunto a ser abordado, já que buscando contrariar os manuais de redação, pelo menos da redação formal, o autor passará a fazer uso, também da narração em primeira pessoa, o que não deixa de ser um tanto arriscado, já que da primeira espera-se a mais alta traição como também a mais pura caridade, espera-se que o narrador em primeira pessoa seja perverso e benfazejo ao mesmo tempo, o que não deixa de ser também um incômodo, se bem que, aparentemente maior para o narrador do que para o autor.
Mas, apesar de tudo, de toda essa dialética erguida sobre este terreno por vezes árido ou mesmo acidentado, como alguns de pensamento mais razo gostam de apregoar, que é o idioma, de toda essa falta de assunto, minha intenção com a postagem de hoje é somente dar as boas vindas aos leitores e ao ano de 2011, já que este último estava carente de um texto publicado por aqui, embora eu ainda creia que o ano é muito longo e dada a circunstância de que ainda estamos em fevereiro e sequer passamos pelo carnaval, uma publicação a esta altura pode ser tida como precipitação de minha parte.
Então, uma vez que tudo já foi dito acima, esperamos que pelo menos tenhamos conseguido ocupar um pouco do tempo do leitor, mesmo que nada de muito útil tenha sido dito, mas esperamos ter, ao menos, proporcionado alguns minutos de distração e desligamento do enfadonho cotidiano, com o vagar dos olhos por entre estas linhas aqui atiradas, e que, aqueles iracundos pela perda de tempo causado por nós não vejam este humilde testemunho como mero desperdício de tempo, que deixem isto para os que procuram soluções nos textos, tendo em vista que aqui apresentamos aos leitores apenas problemas e quebra-cabeças para resolver.