terça-feira, 21 de outubro de 2014

Nosso nível de estupidez subiu bastante, ou somente os intolerantes serão tolerados

Este humilde pretensioso candidato a escritor aqui sabe que abandonou e deixou órfã sua legião de aproximadamente doze leitores assíduos e nem tanto fiéis, e sabe também do cliché que representa retomar as atividades blogueiras justamente em época de eleição, mas temos que admitir que anos eleitorais são particularmente reveladores, no sentido de que descobrimos novas tendências de pensamento  presentes em certas pessoas, da mesma maneira que descobrimos tendências de pensamentos estranhos e comuns, ou estranhamente comuns, ou ainda comumente estranhos na maioria delas, o que fica bem provado, comprovado e laboratoriado nas chamadas redes sociais, as quais obviamente não deixam de servir de termômetro para avaliar o pensamento da rapaziada, da direita da esquerda ou da onda.
Esta enrolação toda serve como introito a algo que tenho a dizer, e que vem há tempos perturbando minha mente, e que dela se apossou após este despretensioso pretenso escritor ter assistido a um vídeo da passeata organizada pelos camaradas da direita. Sim! Os camaradinhas da direita, os sujeitos que andam de carrões importados, vivem em coberturas, vão a lugares bem frequentados (sic), enfim, nossa nata social (acho o termo nata social bastante adequado neste caso, pois nata entope as artérias e faz mal ao coração, segundo me consta, mas isso é outra conversa e outra milonga). O fato é que a tal da passeata consistia em uma manifestação do tipo "fora PT", fora o partido político, reivindicando, dentre outras coisas, a autoria dos programas sociais do atual governo, no qual, por sinal, este simpático escritor jamais votou.
Mas voltemos ao passado, não a um passado muito distante, mas sim ao passado em que eu ainda era um militante do movimento estudantil, nos tempos de segundo grau. Fazíamos passeatas por diversos motivos na época: contra a privatização das escolas técnicas, contra o voto paritário nas eleições para diretor da escola que frequentávamos. Éramos ingênuos, acreditávamos na possibilidade de reverter uma decisão do MEC. Organizávamos movimentos, em pleno governo PSDB, ainda com a população receosa da ditadura, ainda com a população esperançosa com o então recém criado plano real, ainda com a população falando em redemocratização e traição pelo presidente Collor, ainda com a população acreditando que o futuro ex-presidente Lula seria o salvador não apenas do país, como, de alguma forma, de toda a América Latina, e ainda com o medo da recessão que rondava o país, ainda no governo Fernando Henrique. Organizamos, todavia, os mais diversos tipos de passeatas, com os mais diversos temas, mas nunca pedindo especificamente a expulsão de um partido, achávamos, mesmo em toda a nossa ingenuidade de políticos pueris, que isso seria uma tremenda estupidez, pois tínhamos em vista o combate político, não o combate às pessoas, não o combate a um partido. E agora, com a possibilidade de eleição de um presidente do PSDB nos rondando, com a provável vitória, no governo do estado do Rio Grande do Sul, de um piadista que parece sempre impossibilitado de falar abertamente sobre suas propostas, mas que, apesar de sua impossibilidade neste campo, não raro consegue tirar da cartola uma piada, num rompante de diarreia verbal, como no caso de seu famigerado comentário a respeito do piso dos professores (instituído por lei federal, diga-se logo), vemos que as pessoas capazes de apoiar tais candidatos são infinitamente mais assustadoras do que qualquer política que tais candidatos possam implementar no Brasil, e, neste caso, esta parcela da população, que se sente representada por eles, e que também é capaz de organizar uma passeata para a contra-senso do que os próprios manifestante dizem, reivindicar direito e liberdade de expressão que alegam terem sido roubados pelos quatro últimos governos, e esse mote faz, sim, com que tal manifestação seja vergonhosa, da mesma forma que é vergonhoso o discurso comum dessa direita rançosa de que os ganhos de direito de determinado grupo constituem perda de direitos para essa elite, como alegam a respeito das cotas nas universidades, casamento igualitário, aborto e legalização das drogas.
Digamos, então, que, mesmo não sendo este autor renitente um militante do partido da situação, tendo inclusive votado em outro candidato no primeiro turno, é imprescindível não eleger o Aécio Neves para o governo federal, da mesma forma que é imprescindível não eleger o Sartori para o governo do estado do Rio Grande do Sul, mesmo que esses candidatos não representem alguma mudança política substancial, e acredito que de fato, não teremos grandes avanços com qualquer candidato que vença as eleições, petistas ou não. Mas é imprescindível não elegê-los pelo simples fato de que a maior parte dos que se sentem representados por ele constituem uma das camadas mais intolerantes, preconceituosas e ignorantes da sociedade, os que usam sua autoridade e posição social como argumento para vencer discussões, os que defendem a intervenção militar, enfim, os que negam direitos mínimos aos que não têm. A política petista difere da política tucana? Em grande parte não. Há anos isso não acontece, mas da forma como vejo as coisas hoje, deixar a elite preconceituosa e reacionária estar representada nos governos federal e estadual será um tremendo retrocesso, ainda mais depois da bancada conservadora já eleita no primeiro turno.

domingo, 9 de março de 2014

Previsão de memória

Não faço previsões. Acredito que a memória fica cada vez mais comprida, não sei se menos confiável, mas acaba ocupando mais espaço, feito um arquivo de gavetas muito compridas, no qual temos que esticar um bocado o braço para alcançar a última ficha. Sei que neste ano muitos farão homenagens ao Senna e ao cara do Nirvana, mas gosto mesmo de lembrar que há vinte anos, a Noeli, quando dava aulas de violão ao grupo que chamava de orfeonistas, e do qual eu orgulhosamente fazia parte, já que foi o que considero ter sido a minha primeira banda, em um final de tarde absurdamente frio, entre o fim do turno da tarde e o início do turno da noite, conseguiu reunir os que faziam parte daquele grupo, para ler poemas do Quintana, em uma homenagem dela e nossa ao poeta que acabava de partir. Também há vinte anos meu pai chegou em casa com um livro de poesias do Paulo Mendes Campos, Domingo Azul do Mar. Não era a primeira vez que eu lia Paulo Mendes Campos, mas era a primeira vez que eu lia os poemas do Paulo Mendes Campos, e mais ainda: a primeira vez que lia poesia com atenção. Creio que gastei o livro de tanto ler, e memorizei boa parte dele. Talvez por isso mesmo tenha alocado esses poemas em uma parte bem da frente do meu arquivo. Mas a verdade é que foram essas duas coisas que acabaram, naquele ano cheio de acontecimentos, fazendo a verdadeira revolução na minha cabeça.