segunda-feira, 26 de julho de 2010

O pregador louco em ação II.

Bicho ruim realmente é o homem. Não mais do que isto. Apenas o homem, vingativo sobre si mesmo e capaz dos piores e melhores conselhos.
De tal forma:
Apaga com um sorriso a dor que invade o teu coração. Assim teu inimigo não saberá que tramas secretamente dar-lhe um forte pontapé no traseiro na primeira oportunidade.
Também não deixa que ele veja as tuas lágrimas de tristeza, cuspa-lhe diretamente no olho esquerdo ao encará-lo.
Pois a verdade é que não há pessoa capaz de ignorar a própria mágoa, como não há cabra alimentada com má ração que produza bom leite, assim como o pelo da ovelha que se alimenta de más pastagens produz apenas má lã, que produz mau agasalho contra o frio maior. E a rosa que brota bebendo da água poluida produz pétalas falsas que não têm cor viva, mas antes são opacas e escurecidas como os pensamentos dos iníquos.
E de que vale a fama, senão para atrair vários olhares invejosos e insidiosos? Pois não é verdade que mais vale uma quente cama e bom cobertor do que um lugar visível ao vento frio?
E àqueles que te perguntarem se pensas em vingança, diz-lhes: apenas penso em vingança, atiro os maus às fogueiras infernais da minha mente, no verdadeiro inferno metafórico, e esta vingança basta para mim. Ou melhor, não diz nada. Certos recantos da mente por poucos podem ou devem ser vislumbrados.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Aniversário da tia no inverno

Na sala uma tia velha de cara sorridente e avermelhada com as pernas cruzadas mostrando as meias e as polainas marrons e enrugadas cumprimentando todos com alegres e melancólicos "como vais?", ajudando a receber os convidados e os intrusos. Na cozinha, um cheiro de chá de maçã e cravo, uma dona de casa correndo com xícaras de um lado para outro com um olhar de leve desespero e um som de louça quebrando. Da sala voz de algum dos convidados, parente ou não, lembra que ao quebrar três pratos o terceiro trará boa sorte.
Atrasadas, chegam duas primas, uma vestindo uma espécie de bicho morto largado sobre os ombros, de vestido e baton igualmente vermelhos, outra exibindo sorriso e voz estridentes e amarelados. As duas prontas para atacar com afiada língua os demais convidados, alegrias da festa, depois que ela termina.
A televisão ligada com o volume no mínimo. Alguém comenta o que vai acontecer com o vilão da novela. A prima de voz e sorriso estridentes falando sobre as propagandas que assistiu em um canal de vídeo da internet e cantando, de forma despudoradamente desafinada e irritante os jingles das campanhas publicitárias mais recentes, com uma placa de inteligência na testa e um olhar estúpido que denuncia muito mais do que qualquer bandeira. Alguém deixa cair no chão um pedaço de ovo de codorna, que a dona de casa corre para apanhar, mas que é esmagado pelo desavisado pé de um dos tios que contava histórias e vantagens dos bons tempos aqueles.
Na camisa uma mancha de café e logo a seguir o conselho da tia velha com polainas para lavar com um pouquinho de vinagre, que tira qualquer tipo de mancha, menos as manchas das pessoas.
À noite todos vão embora, exceto a dona da festa que fica juntando as louças e os papeizinhos de doce enquanto pensa que é bom fazer aniversário somente uma vez por ano, enquanto o marido dá volume na televisão.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Desagravo

Nessa época de copa do mundo de futebol, em que temos que nos esforçar para conseguir passar à margem dos acontecimentos futebolísticos, já que todos comentam. Comentam com força, paixão e com duvidosa propriedade, mas comentam no trabalho, no ônibus, nas filas dos bancos, lotéricas e da padaria. Tais comentários provam que é difícil ser uma alienado futebolístico, pelo menos por enquanto, quando temos realmente muitos técnicos de futebol por aí acreditando nessa coisa toda.
A verdade é que após uma não muito criteriosa investigação com metodologia de imersão parcial para desvendar o fascínio esse fascínio exercido sobre a maioria das pessoas, podemos perceber que grande parte dele advém de um aparato muito bem talhado de conteúdo matemático e linguístico.
Matemático porque temos invariavelmente as tais estatísticas cabalísticas absurdas, mas que sempre acabam surtindo efeito se combinado com a credulidade popular. Sempre podemos notar o uso de um levantamento de dados muito proveitoso como: nos dez primeiros minutos, dos três primeiros jogos em que a seleção jogou usando a camisa amarela combinada com as meias brancas, os gols foram marcados por zagueiros que foram para a área do adversário para tentar fazer gol de cabeça, mas acabaram marcando com os pés. Claro, tal informação não quer dizer nada, mas a quantidade de números empresta-lhe uma certa autenticidade incontestável.
Linguístico porque pode-se lá fazer uso de uma determinada palavra que até então estava em desuso, relegada a um determinado jargão, mas que justamente por esse uso, obtém aprovação popular e passa novamente a fazer parte do acervo, mesmo que não se saiba exatamente o que tal palavra pretendia expressar inicialmente, obtendo, então, um novo significado, pelo menos no campo da imagem. É o caso de revanche. É falar em revanche para surgir na mente a imagem da seleção derrotando o adversário que o eliminou naquela maldita rodada. Atualmente, o significado de revanche é odiar a Holanda.
Então, basta o fanático por a mão no dicionário Aurélio para atirá-lo ao fogo, por via das dúvidas, já que carrega em si o nome do adversário. Afinal, ninguém quer ser visto como traidor da pátria nessas horas de nacionalismo emergente.
Mas, justamente, nosso propósito hoje é desmitificar e desmistificar essa palavra. Desfazer-lhe a associação injusta com o futebol e colocá-la em seu devido lugar, livrando-a de qualquer imagem negativa. Eis o motivo da existência desta postagem de hoje: revanchar a palavra revanche, para que possamos vê-la (a palavra) alegremente andando por aí, de boca em boca, de ouvido em ouvido, sem que tenha que carregar a culpa ou a vergonha de estar associada a uma partida de futebol e que possa voltar a ser exatamente o que uma palavra é e também para desviá-la do caminho de significado que pretendem que ela tenha, incutindo subconscientemente um significação da palavra através da exposição de uma imagem diversa daquela usualmente aplicada.
Então,

Revanche

É quando a árvore, após a tempestade, sorri e balança os braços alegremente após ter atirado na ventania um de seus galhos sobre o capô de um carro.