quarta-feira, 20 de outubro de 2010

E a vaca foi pro brejo

As pessoas viajam pelos mais diversos motivos. Há os que viajam por prazer, os que viajam por obrigação, os que viajam a negócios, os que viajam apenas para sair do lugar.
Há os que vão para Londres para ver a Torre Eiffel, os que vão para Paris para conhecer a estátua da liberdade, os que viajam para Nova Iorque para conhecer o Big Ben, os que vão a São Paulo para ver o Cristo Redemptor e os que vão à Bahia apenas para saber se devem usar o acento grave na letra A.
Existem aqueles que viajam para Cuba para dizer que têm pena daquele povo sofrido com tão pouca tecnologia disponível, sem computadores ou carros do ano e que, apesar de por lá já se ter erradicado o analfabetismo há anos, os cubanos não podem se vangloriar porque não têm o futebol entre seus esportes favoritos, mas que, em contrapartida, também tinham um barbudo esquerdista no poder, assim como nós brevemente vamos fatalmente adotar "tínhamos", embora eu prefira "a esquerdista" ou um esquerdista qualquer no poder, já que não foi ela a minha escolhida no primeiro turno, mas daí já são outras pastagens, e o autor do blog adota a política de não falar em política, pelo menos no sentido objetivo da coisa toda.
Claro, também existem aqueles que viajam para reclamar de tudo na volta, para dizer que perderam as malas, foram roubados, a polícia encheu o saco na alfândega, revistou, entrevistou, não deixou passar, mandou dar volta e que os nativos do lugar foram mal educados e antipáticos, ao invés de sorridentes e bricalhões como devem ser os nativos dos outros lugares. Além, evidentemente, de ter chovido durante a viagem inteira.
Já eu aqui, não. Sou daqueles que preferem jornadas interiores e que andam pouco para ver a vaquinha assunto do texto anterior, que acham que a paisagem é que está em movimento e não a pessoa que viaja e que, quando viaja, o faz também no sentido metafórico.
Mas, já que o assunto é a vaca e este ainda não é o ano da vaca, que por aqui não apenas não é considerada sagrada (embora mereça), como também é ela que serve de pasto para os humanos, quando não deveria.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Nova pastagem

Qualquer pessoa que circule pela cidade de Porto Alegre ou então qualquer pessoa que assista televisão, leia jornais etc. e deixe para circular pela cidade de Porto Alegre apenas à distância (há quem goste de fazer visitas à distância, para não ter que sair de casa) deve ter visto pelo menos uma das simpáticas vaquinhas da parada das vacas. Claro, as vacas não andam e talvez justamente por isso o evento tenha sido chamado de "cow parade"; para evitar essa ambiguidade no campo semântico, do tipo parada no sentido de desfile versus parada no sentido de sem movimento.
Mas o fato é que dá para refletir, a partir da presença dessas vacas metaforicamente pastando na paisagem urbana, a respeito da banalização da imagem. Quer dizer: quanto tempo ficarão elas ali, com gente ao redor tirando foto, montando nelas, achando engraçado, achando curioso, achando bonito? Em quanto tempo passarão a compor apenas mais um elemento pelo qual passamos apressados, sem dar uma olhada, tornando-se talvez um obstáculo, passando a não mais causar essa estranheza na paisagem, mas sim a integrá-la? E para mim essa é a reflexão mais interessante despertada pela presença das vacas.
Claro, patrocínios, trabalhos e reflexão artística/filosófica à parte, minha intenção aqui não é pichar uma das vacas, ou prender fogo nelas, ou levar para casa para empreender atividades menos pronunciáveis, ou simplificar as coisas a ponto de dizer que o gaúcho é um povo grosseiro, mal educado e que certos preconceitos têm razão mesmo de existir, como foi dito por aí.
Obviamente mais um resultado da não-marcha das vaquinhas foi a suscitação de tal discussão. O que teria acontecido se fossem colocadas em outra capital? Não podemos dizer, pois não foi outra capital escolhida para sediar esta, digamos, exposição.
Acredito que certas discussões transcendem essa linha óbvia de raciocínio e exigem uma abstração tão grande que talvez uma pessoa comum não esteja preparada para fazer esse tipo de projeção. Neste caso, a projeção é: O que teria acontecido se...? Como teria sido se fosse diferente? Diferente, é claro. Mas semelhante, já que semelhança pode pressupor diferença.
Agora, sobre a questão do preconceito que, comenta-se por aí, é justificável, é como dizer: Tudo bem. Já que as periferias concentram a maior parte das ocorrências criminais devem ser eliminadas, juntamente com todos os habitantes, pois assim não haverá mais lugares e pessoas para que sejam praticados delitos como assaltos, tráfico, consumo de drogas...
Esquecendo, assim, os atos de violência praticados pela burguesia e pelos meios de comunicação que simplificam, reduzem, ofendem e manipulam, muito bem disfarçados de liberdade de expressão.
Vejamos, Porto Alegre sedia a Bienal do Mercosul, a maior feira de livros ao ar livre da américa latina, o Em Cena, possui diversas instituições e atividades culturais que são referências nacionais, não apenas por mero acaso, ou provavelmente não porque seu povo é grosseiro e mal educado. Embora eu já comece a me deixar manipular um pouco por certas opiniões de determinados "brilhantes e geniais" romancistas/jornalistas e passe a pensar que certos eventos acontecem na cidade para ver se a população se contamina um pouco de cultura e inteligência, pega no tranco e sai por aí com um dicionário sob o braço esquerdo para incrementar o vocabulário, dizendo que cultura é saber resolver direito a seção de palavras cruzadas do jornal, preferencialmente de um jornal daqueles, bem pelegos.
Certamente apóio as manifestações artísticas e culturais em todas as suas formas (antes que algum furioso leitor que não tenha entendido certas ironias venha me rotular de reacionário) e a intenção aqui não é pregar o fim das vacas, que devem continuar, claro, mas sim mandar nosso semovente jornalista pastar em outras bandas.