terça-feira, 12 de outubro de 2010

Nova pastagem

Qualquer pessoa que circule pela cidade de Porto Alegre ou então qualquer pessoa que assista televisão, leia jornais etc. e deixe para circular pela cidade de Porto Alegre apenas à distância (há quem goste de fazer visitas à distância, para não ter que sair de casa) deve ter visto pelo menos uma das simpáticas vaquinhas da parada das vacas. Claro, as vacas não andam e talvez justamente por isso o evento tenha sido chamado de "cow parade"; para evitar essa ambiguidade no campo semântico, do tipo parada no sentido de desfile versus parada no sentido de sem movimento.
Mas o fato é que dá para refletir, a partir da presença dessas vacas metaforicamente pastando na paisagem urbana, a respeito da banalização da imagem. Quer dizer: quanto tempo ficarão elas ali, com gente ao redor tirando foto, montando nelas, achando engraçado, achando curioso, achando bonito? Em quanto tempo passarão a compor apenas mais um elemento pelo qual passamos apressados, sem dar uma olhada, tornando-se talvez um obstáculo, passando a não mais causar essa estranheza na paisagem, mas sim a integrá-la? E para mim essa é a reflexão mais interessante despertada pela presença das vacas.
Claro, patrocínios, trabalhos e reflexão artística/filosófica à parte, minha intenção aqui não é pichar uma das vacas, ou prender fogo nelas, ou levar para casa para empreender atividades menos pronunciáveis, ou simplificar as coisas a ponto de dizer que o gaúcho é um povo grosseiro, mal educado e que certos preconceitos têm razão mesmo de existir, como foi dito por aí.
Obviamente mais um resultado da não-marcha das vaquinhas foi a suscitação de tal discussão. O que teria acontecido se fossem colocadas em outra capital? Não podemos dizer, pois não foi outra capital escolhida para sediar esta, digamos, exposição.
Acredito que certas discussões transcendem essa linha óbvia de raciocínio e exigem uma abstração tão grande que talvez uma pessoa comum não esteja preparada para fazer esse tipo de projeção. Neste caso, a projeção é: O que teria acontecido se...? Como teria sido se fosse diferente? Diferente, é claro. Mas semelhante, já que semelhança pode pressupor diferença.
Agora, sobre a questão do preconceito que, comenta-se por aí, é justificável, é como dizer: Tudo bem. Já que as periferias concentram a maior parte das ocorrências criminais devem ser eliminadas, juntamente com todos os habitantes, pois assim não haverá mais lugares e pessoas para que sejam praticados delitos como assaltos, tráfico, consumo de drogas...
Esquecendo, assim, os atos de violência praticados pela burguesia e pelos meios de comunicação que simplificam, reduzem, ofendem e manipulam, muito bem disfarçados de liberdade de expressão.
Vejamos, Porto Alegre sedia a Bienal do Mercosul, a maior feira de livros ao ar livre da américa latina, o Em Cena, possui diversas instituições e atividades culturais que são referências nacionais, não apenas por mero acaso, ou provavelmente não porque seu povo é grosseiro e mal educado. Embora eu já comece a me deixar manipular um pouco por certas opiniões de determinados "brilhantes e geniais" romancistas/jornalistas e passe a pensar que certos eventos acontecem na cidade para ver se a população se contamina um pouco de cultura e inteligência, pega no tranco e sai por aí com um dicionário sob o braço esquerdo para incrementar o vocabulário, dizendo que cultura é saber resolver direito a seção de palavras cruzadas do jornal, preferencialmente de um jornal daqueles, bem pelegos.
Certamente apóio as manifestações artísticas e culturais em todas as suas formas (antes que algum furioso leitor que não tenha entendido certas ironias venha me rotular de reacionário) e a intenção aqui não é pregar o fim das vacas, que devem continuar, claro, mas sim mandar nosso semovente jornalista pastar em outras bandas.

2 comentários:

  1. Em relação a Porto Alegre, parece que há, sim, uma vida cultural interessante, mesmo com toda a mediocridade intelectual da população.
    Mas espanta, mesmo, é que algumas cidades do interior buscam se espelhar nos detalhes mais estúpidos desses eventos. Se na capital existir uma "indústria cultural", são capazes de copiar somente a parte da "indústria", de tão jecas que são os "jenios" desses lugares.

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  2. Caro Otário, não creio que haja mediocridade intelectual ou cultural por parte da população, mas sim quanto aos meios propagadores e/ou propagandeadores das cultura.
    Quanto á cópia por parte deste ou daquele reduto intelectual, posso te dizer que é algo que simplesmente faz parte do que chamamos cultura, pois justamente nesta tentativa de cópia é que se revelam as releituras.

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