segunda-feira, 20 de junho de 2011

Fluidez

Poesia é assim,
é escrita espremida
no canto da folha
como se tentasse
escorrer
pela margem
e se prosaica corre ela
para o caminho do meio da página
sem rimar fica então
chamada de prosa em vão.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Espécies em extinção II

Quem lê enciclopédia hoje em dia? Aliás, quem lê hoje em dia? Acho que nem mesmo eu, já que simplesmente escrevo e escrevo e vou atirando tudo por aqui mesmo. O Jorge Luis Borges era um grande leitor de enciclopédias, e provavelmente por isso mesmo Borges tenha produzido toda aquela (belíssima) literatura chamada literatura de referência. Mas Isso nada tem a ver com o fato de que uma peculiar espécie foi dizimada pela internet e sítios encilopédicos existentes por aí, soterrada por toneladas de facilidade de informação, especialmente porque a vista e a visita de tal espécie era evitada quando batia às portas dos lares, tentava agendar uma visita, despertava a raiva nas pessoas, era mais perseguido pelos cães vira-latas que guarneciam as residências do que os carteiros, com o agravante de que, sobre eles, as donas de casa atiçavam os cães para que não teimassem em voltar ali. O sujeito em questão é o extinto vendedor de enciclopédias.
Sim, eles tentavam tirar seu sustento da chateação das donas de casa. Afinal, sempre tocavam a campainha lá pelas onze, onze e meia da manhã, justamente quando elas estavam ocupadas fazendo o almoço para os filhos que estavam por chegar do colégio, o que certamente colaborava muito para fossem enxotados. Talvez este fosse seu maior erro de estratégia, junto com a falta de visão, por não procurar um novo emprego, prevendo que a internet haveria de chegar um dia e, junto com ela a wikipédia, que não tem resposta pra tudo, mas bem que engana.
Eram tempos em que os trabalhos do colégio eram feitos da base de copiar, copiar e passar a limpo. Nada de control mais c e control mais v. Tudo na base do punho. Veja bem: foi extinto o vendedor, não a enciclopédia, já que podemos comprar livros em alguma livraria virtual, sem ter que abrir as portas da casa e convidar para entrar aquele cara que passaria horas falando sobre as vantagens dessa ou daquela coleção, sobre a que possuía mais volumes, tinha mais figuras, era mais simples, era mais completas,enfim, tudo que se pode querer de uma boa enciclopédia.
Mas o vendedor de enciclopédia insistia, dizia que tinha a solução para o futuro dos filhos, além de uma alternativa de lazer que viria a enriquecer mais ainda a cultura dos pestinhas estudantes. Claro, eu mesmo tenho uma enciclopédia em casa. Não sei como foi comprada. Tem figuras e a pesquisa é feita através de um índice com tudo organizado em ordem alfabética. Estas últimas explicações eu dou para a eventualidade de  algum dos meus leitores ter nascido na época pós google, quando nem os acentos são colocados nas palavras, já que o corretor ortográfico do editor de textos se encarrega de corrigir os erros mais bizarros.
Mas a verdade é que sabe-se que o vendedor de enciclopédia foi extinto pelos tempos informatizados que atravessamos hoje. Ela não bate mais de porta em porta oferecendo coleções de livros com nomes esquisitos, divididos em vários e pesados volumes. É verdade. O vendedor de enciclopédia foi extinto. E o pior é que ninguém sente falta dele.

domingo, 12 de junho de 2011

O laranja

Sempre guardei uma mágoa enorme por nunca ter completado um álbum de figurinhas, especialmente aqueles que davam prêmios. Era preencher a página ou completar um tríptico e lá vinha de brinde uma panela de pressão, um cinzeiro ou uma bicicleta. Claro, para ganhar a bicicleta era necessário preencher uma página com várias figuras e mesmo assim, sempre faltava a tal da figura chave. Na verdade mesmo no caso do cinzeiro sempre faltava uma figurinha. Nunca conheci ninguém que tivesse ganhado algo nesses álbuns. 
Havia também aqueles que eram simplesmente colecionáveis. O sujeito comprava as figuras, colava e no final podia apenas olhar, correr as páginas e ver que estava tudo ali, sem faltar nada, somente pelo prazer de ver todas as figurinhas coladas, como haviam também outros prazeres, como o de pensar que no futuro um álbum completo poderia ser vendido para algum colecionador por uma verdadeira fortuna. Claro, quanto mais perto chegava do fim, mais difícil ficava abrir um pacote de figurinhas e não haver nenhuma repetida ali dentro. 
Mas para extirpar da mente tão pesado trauma, aos trinta e tantos ou trinta e poucos anos resolvi cair na empresa de tentar completar um álbum. Tenho de admitir que é um tanto constrangedor entrar numa banca de revistas e disputar um lugar na fila com algum carinha de onze ou doze anos para comprar pacotes de cromos (assim são chamadas as figurinhas nos dias de hoje) e com igual constrangimento escutei a sugestão do dono da banca de que levasse as figuras repetidas para  trocar, por conta do que comecei a me imaginar sentado em volta de uma mesa cuja altura não passaria de meus joelhos, junto com um bando de fedelhos, disputando a tapa as figurinhas. Um gritando: 
- Eu quero a número quarenta e oito, quero a quarenta e oito!
Outro já demonstrando uma certa índole trapaceira, tentando convencer algum dos coleguinhas ou a mim mesmo a fazer  alguma troca em um esquema de três por uma.
Então, passei a pensar que para evitar tal embaraço poderia simplesmente mentir para o vendedor, dizendo que o pacote de figurinhas (cromos) são para meu sobrinho que está colecionando. Afinal é um álbum de futebol e o guri está começando a torcer, e acho que seria um incentivo para a prática desportiva, e que o sedentarismo é um problema já na infância e não queremos um guri obeso e jogador de videogame compulsivo na família. 
Mas sempre penso que poderia, sei lá, entrar algum conhecido na banca quando eu estivesse aplicando tão baixo golpe no vendedor da banca, pois todos sabem que meu sobrinho ainda não está em idade de colar figuras em um álbum, a menos que eu queira fazer o guri passar por superdotado, mas um superdotado não estaria preocupado em completar um álbum de futebol. Mais um elemento para desmentir esta trama.
Então surgiu uma solução simples, definitiva e cem por cento eficiente. Arranjar um laranja. Um guri de onze ou doze anos que me compre as figuras fingindo comprar para si, para depois entregar o pacote para mim. Tal como fazíamos há uns anos atrás, quando pedíamos para algum irmão mais velho de alguém da turma comprar uma revista adulta nas bancas.
Arranjei um sobrinho de um amigo. Dava-lhe o dinheiro, ele entrava na banca, comprava o pacote, entregava-o para mim e eu ia contente para casa colar as figuras no álbum. 
Mas eis que tão engenhoso plano fracassou. O guri me exigiu uma porcentagem das figuras, caso contrário não compraria mais. Até tentei negociar, oferecendo-lhe as repetidas, que afinal eram várias, mas o carinha estava irredutível. Era metade ou nada.
Mais um álbum que deixo de completar.