domingo, 12 de junho de 2011

O laranja

Sempre guardei uma mágoa enorme por nunca ter completado um álbum de figurinhas, especialmente aqueles que davam prêmios. Era preencher a página ou completar um tríptico e lá vinha de brinde uma panela de pressão, um cinzeiro ou uma bicicleta. Claro, para ganhar a bicicleta era necessário preencher uma página com várias figuras e mesmo assim, sempre faltava a tal da figura chave. Na verdade mesmo no caso do cinzeiro sempre faltava uma figurinha. Nunca conheci ninguém que tivesse ganhado algo nesses álbuns. 
Havia também aqueles que eram simplesmente colecionáveis. O sujeito comprava as figuras, colava e no final podia apenas olhar, correr as páginas e ver que estava tudo ali, sem faltar nada, somente pelo prazer de ver todas as figurinhas coladas, como haviam também outros prazeres, como o de pensar que no futuro um álbum completo poderia ser vendido para algum colecionador por uma verdadeira fortuna. Claro, quanto mais perto chegava do fim, mais difícil ficava abrir um pacote de figurinhas e não haver nenhuma repetida ali dentro. 
Mas para extirpar da mente tão pesado trauma, aos trinta e tantos ou trinta e poucos anos resolvi cair na empresa de tentar completar um álbum. Tenho de admitir que é um tanto constrangedor entrar numa banca de revistas e disputar um lugar na fila com algum carinha de onze ou doze anos para comprar pacotes de cromos (assim são chamadas as figurinhas nos dias de hoje) e com igual constrangimento escutei a sugestão do dono da banca de que levasse as figuras repetidas para  trocar, por conta do que comecei a me imaginar sentado em volta de uma mesa cuja altura não passaria de meus joelhos, junto com um bando de fedelhos, disputando a tapa as figurinhas. Um gritando: 
- Eu quero a número quarenta e oito, quero a quarenta e oito!
Outro já demonstrando uma certa índole trapaceira, tentando convencer algum dos coleguinhas ou a mim mesmo a fazer  alguma troca em um esquema de três por uma.
Então, passei a pensar que para evitar tal embaraço poderia simplesmente mentir para o vendedor, dizendo que o pacote de figurinhas (cromos) são para meu sobrinho que está colecionando. Afinal é um álbum de futebol e o guri está começando a torcer, e acho que seria um incentivo para a prática desportiva, e que o sedentarismo é um problema já na infância e não queremos um guri obeso e jogador de videogame compulsivo na família. 
Mas sempre penso que poderia, sei lá, entrar algum conhecido na banca quando eu estivesse aplicando tão baixo golpe no vendedor da banca, pois todos sabem que meu sobrinho ainda não está em idade de colar figuras em um álbum, a menos que eu queira fazer o guri passar por superdotado, mas um superdotado não estaria preocupado em completar um álbum de futebol. Mais um elemento para desmentir esta trama.
Então surgiu uma solução simples, definitiva e cem por cento eficiente. Arranjar um laranja. Um guri de onze ou doze anos que me compre as figuras fingindo comprar para si, para depois entregar o pacote para mim. Tal como fazíamos há uns anos atrás, quando pedíamos para algum irmão mais velho de alguém da turma comprar uma revista adulta nas bancas.
Arranjei um sobrinho de um amigo. Dava-lhe o dinheiro, ele entrava na banca, comprava o pacote, entregava-o para mim e eu ia contente para casa colar as figuras no álbum. 
Mas eis que tão engenhoso plano fracassou. O guri me exigiu uma porcentagem das figuras, caso contrário não compraria mais. Até tentei negociar, oferecendo-lhe as repetidas, que afinal eram várias, mas o carinha estava irredutível. Era metade ou nada.
Mais um álbum que deixo de completar.

Um comentário:

  1. Eu tive vários álbuns daqueles que vendiam em armazém, cujas figurinhas eram imagens estampadas num papel de péssima qualidade. Completando um quadrado inteiro, o colecionador ganhava um prêmio. Certa vez tive a sorte de completar o desenho todo, que me daria como prêmio, um jogo de canetas hidrográficas. Então levei no armazém o álbum e mostrei a sequência completa, que me daria o prêmio. O dono do Boteco pegou o meu álbum e descolou a figurinha-chave (q era a mais difícil de se conseguir). Para eu ganhar o prêmio, tinha q deixar a tal figura. Moral da história: era impossível completar aqueles álbuns.

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