quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Sacrilégio

E para que não fiquem por aí dizendo que sou muito mal humorado, hoje, para amenizar as coisas e tentar plantar um leve e doce (ou amargo) sorriso nas bocas e olhos dos meus leitores e leitoras, uma história engraçada que ocorreu há algum tempo atrás, com pessoas reais do mundo fictício, cujos nomes serão preservados a fim de zelar por sua privacidade e integridade moral, física e intelectual.
Os brinquedos sempre acabam ficando guardados em algum baú dentro do quarto. Em alguns casos são doados para crianças carentes, mas, na maioria das vezes ficam ali, na esperança de passar de uma geração para outra, ou mesmo serem pegos pelo antigo dono, mesmo que à noite, com a luz apagada e de portas fechadas. No início pode ser uma bola, uma bicicleta. Depois, passa para um violão, computador, carro, e assim por diante. Na verdade os brinquedos nunca são abandonados, apenas a conseqüência das brincadeiras é que tem suas proporções alteradas, amplificadas.
Neste caso, o brinquedo em questão é o aparelho de som. Em algumas famílias, ter acesso ao aparelho de poderia significar: o guri está crescendo, já não houve mais os disquinhos coloridos de histórias, agora quer mais é saber do rock, até já sabe ligar sozinho.
Não deixa, claro, de ser um rito de passagem.
E começou assim, uma coletânea dos melhores momentos do Rock in Rio aqui, um compacto da Nina Hagen ali, mas lá ia o futuro ouvinte de rock tentando construir o seu acervo, passando por diversas experimentações discófilas, algumas valeriam a pena, outras, melhor esquecer.
Fatalmente chega o dia em que coloca a tocar um pesadíssimo disco de rock pauleira (sim, assim era chamado o heavy metal antigamente).
Claro, nessa estrada de escolhas musicais, vai-se ouvindo tudo, menos (mais para contrariar mesmo) o que os pais gostam de ouvir e, hora ou outra, acaba-se descobrindo que quanto mais alto, melhor.
Começa então aquele inferno. Pai batendo na porta e gritando: desliga, desliga.
Mãe saindo do banho enrolada na toalha para ver qual trator de obras da prefeitura derrubou a parede da casa.
Vizinhos, melhor nem comentar.
Chega, também fatalmente, o dia em que o guri resolve dar uma olhada nos discos dos pais. Claro, lá pelas duas da manhã para evitar a vergonha da curiosidade pela música dos velhos. Afinal, rock é rebeldia, que porcaria de rebelde seria esse que concorda com os pais? E coloca um LP dos Beatles no volume máximo.
A mãe fala para o pai:
-Vai lá e dá um jeito. Manda ele desligar esta porcaria. São duas da manhã!
-Mas, mandar desligar? Ainda mais o Rubber Soul! Aí já é sacrilégio.
E assim fica provado que os filhos são, na maioria dos casos, a causa da ruína de muitos casamentos.

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