Aviso que este texto foi totalmente
baseado em minha memória. Portanto, se eu cometer o pecado da omissão, não é
para atentar contra qualquer inocente, a não ser contra mim mesmo, mesmo que
não seja eu tão inocente; e como não há aqui a intenção de causar prejuízo de
qualquer ordem ou desordem, pois o principal envolvido sou precisamente eu, digo
que este talvez falso testemunho não possa me levar ao index ou algo do gênero.
Não creio que a memória possa ser-me fiel,
mas acho que também ela seja capaz de mover uma montanha ou outra. Se não
tanto, ao menos pode alterar, para mais vivas ou mais desbotadas, algumas cores
do mundo, mesmo que de um mundo particular, originado de minha própria
lembrança e, portanto, de minha própria memória e, justamente por esses fatos,
é que não lhe tenho tanta devoção, pelo menos na medida certa para não alterar
este singular relato.
Havia saído do serviço para o intervalo de
almoço, numa manhã de inverno absurdamente fria, mas ensolarada. Cansado, como
sempre, desanimado, os olhos pesados... não só pela manhã que já configurava um
objeto do passado — portanto da memória, mesmo que ainda muito vívida — mas
também pelo assombro da tarde vindoura, quando resolvi sentar em um banco da praça,
para tomar algum fôlego, justamente em frente a um antigo teatro (hoje pecaminosamente
interditado), numa época que ainda havia um espetáculo e outro por lá, quando percebi,
mas apenas por um relance do olhar, que um sujeito velho, de pálpebras
marcantes e olhar fugidio, posto a assobiar sentou-se ao meu lado, na outra ponta
do banco.
Pensei tratar-se de outro, feito eu. Mas era
apenas alguém que passava e, por puro despautério, sentou-se no mesmo banco,
mais para apreciar a paisagem do que propriamente para tentar fazer com que eu
me movesse dali. Pensei, também, que, se Jorge Luis Borges poderia ser capaz de
encontrar a si mesmo sentado em um banco, poderia eu da mesma forma
encontrá-lo. Mas não: simplesmente saí novamente a caminhar em direção à tarde
que se aproximava, quando ao dobrar a esquina vi chegar, vagarosamente, outro,
idêntico àquele que se sentara no banco momentos antes, para então tomar a
outra ponta do banco.