sábado, 30 de abril de 2011

Definições do cético

Eu não acredito no dicionário. Deixar uma palavra eternamente vinculada a um significado qualquer ou específico me parece uma tremenda crueldade. O dicionário é um livro que está fechado para a criação e aberto para a determinação, acho que não deveria vir em formato de livro. Mas existem alguns bons dicionários, claro, como o Dicionário do Cínico do Ambrose Bierce, mas o caso aí já é outro. Então, pelo fim da condenação ao significado das palavras, acho melhor ilustrar as coisas todas com conceitos. Eis alguns exemplos do meu sugerido dicionário:
Malícia: É quando um aluno em sala de aula utiliza-se do expediente de fazer uma pergunta para a professora, durante a avaliação, para poder espiar os seios dela por cima da prova.
Realeza: não significa realidade.
Pronome: pronome é eu, é tu, é ele ou ela também, é nós é vós e é eles ou elas, pode ser oblíquo, reto, pessoal, até átono pode ser. Mas, atenção, pronome não pode ser infinitivo.
Ilusório: ilusório não significa satisfatório.
Pênis: algo que já foi objeto de música do Tom Jobim, juntamente com pedra e o fim do caminho. Já foi objeto de obra de literatura adaptada para a televisão, como é o caso do Sítio do pênis-pênis amarelo.

E depois de tão rica e inteligentemente demonstrar estes conceitos, podemos concluir que há de ser mandada mandado à merda a idéia de se expressar condições das pessoas abrandadas por certas palavras, que são usadas de forma preconceituosa numa tentativa frustrada de igualar as pessoas. Mas logo pra cima de mim, que acredito que a maior graça da humanidade é que todas as pessoas são diferentes umas das outras. Portanto, o que deve ser mudado não é a palavra utilizada para se referir a uma pessoa ou grupo de pessoas, mas sim o conceito, e este só pode ser modificado mediante um profundo esforço de consciência.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Como são?

Vou te dizer uma coisa. Comoção é coisa que não devia acontecer nunca com a gente. É coisa do mal, que faz a gente chorar, ou quase, quando vê e ouve uma orquestra tocando, sem se importar se parecem ridículas as pessoas com cara de idiota rebolando no parque, achando até que a gente tem é vontade de fazer a mesma coisa, mesmo que pareça um palhaço sem picadeiro ou pintura de guerra, mas que no fim das contas deixa de fazer por não ter coragem mesmo. Comoção é uma merda, faz a gente ficar com saudade e querer voltar no tempo, pra depois amargar a decepção de bater com a cara no muro ao descobrir que máquina do tempo só em livro ou filme de Hollywood.
Comoção é essa coisa que a gente tenta esconder, mas sempre tem alguém mais esperto para descobrir o que se passa, destruindo a golpes de inferência toda essa fama de durão.
Comoção é coisa que faz pensar. E pensar, hoje, como ficou muito bem provado pelos laudos dos psicólogos, não é algo que faça bem, da mesma sorte que um pensador não tem mais seu espaço no mundo que não apenas no museu.
Por isso mesmo que nunca mais vou a uma apresentação de orquestra.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Uns

Gosto do "uns". É o plural de um sem especificar um número determinado, pode ser muito e às vezes é pouco, pode até ser infinito. É suficientemente esperançoso para acender paixões quando alguém diz: vou te dar uns abraços.
É bem diferente do alguns, que exprime apenas indeterminação. O uns tem um jeito de quase indeterminação, mas ainda deixa no ar alguma certeza, ou quase.
O que dele se aproxima é apenas a sua variação "umas".
Existem aqueles que podem alegar que o uns é indecisão, uma tentativa de isenção da responsabilidade. Mas não, ele tem sua própria carga de responsabilidade, como os namorados que se mandavam telegramas com mensagens dizendo apenas "amo-te" ou "adoro-te". Era econômico, como naquele tempo em que o único computador conhecido era o Hal 9000.
Era o que fazia bem ao nosso ego na adolescência quando contávamos vantagem ao ficar com as gurias: naquela dei uns amassos. Provavelmente eram apenas uns dois amassos, mas fazia parecer muito e até mais do que simples amassos. Era impossível de ser desmentido. Afinal, quem contestaria a sua presença?
E servia também para nos tirar das enrascadas em que nos metíamos quando abusávamos do álcool à noite e chegávamos em casa com a mãe a esperar de manhã cedo para dar bronca, pronta para a conversa:
-Quanto você bebeu?
-Apenas uns copos.
Claro, com as mães não costumava funcionar muito bem, mas mesmo assim ainda era esperança suficiente para nos levar de volta pra casa, achando que tudo realmente ficaria bem e que, no caso de ser pego tentando enfiar a chave na porta da casa ao lado, haveria uma boa desculpa.
E, especialmente, dentre tudo que está publicado neste espaço podemos dizer: temos uns bons textos por aqui.

Premiações do Nobel que gostaríamos de ver

Subjetivos são os critérios que levam à atribuição do prêmio Nobel, especialmente o de literatura. Como é atribuído, por que determinados autores parecem sempre bater na trave, exatamente o que determina se essa ou aquela obra é digna de premiação? Provavelmente só a academia sabe. Mas vi, um dia desses, que alguns, provavelmente todos têm uma espécie de epígrafe da premiação, do tipo: pelo zelo lingüístico na composição poética que desvenda mistérios da simplicidade do modo de vida e na política ocidental, ou algo do gênero.
Claro, certos países receberam mais prêmios. Os alemães, os italianos, os espanhóis, os franceses. Saramago, com ironia, imaginação e, acima de tudo, com uma prosa magistral arrancou os portugueses dessa espécie de limbo que é a ausência da premiação. 
Alguns prêmios são tardios, outros precoces, de alguns pode-se reclamar de uma dose de injustiça, de outros que a justiça não foi feita. Mas claro, a academia sabe o que faz.
Já os brasileiros ainda carregam um certo ressentimento por não poder figurar nas prateleiras nacionais um desejado Nobel de literatura, junto com a taça Jules Rimet, ainda que desconfie que um título desse porte não seja muito adequado para se derreter e vender no mercado negro.
Entretanto, nós (mais especificamente eu) da equipe do Douto & Profano, com nossa vívida imaginação, criamos nossa própria lista de premiações com as respectivas citações, a fim de desfazer tamanha injustiça, pelo menos no âmbito da fantasia. Alguns dos premiados seriam:
Campos de Carvalho, por despertar em todos seus leitores o desejo de assassinar o professor de lógica e alegar legítima defesa.
Raduan Nassar, por ensinar que filosofia não é algo exclusivo filósofos, bem como a literatura não é exclusiva dos caretas quadradões, e que mais vale um transbordado copo de cólera do que uma colheita tardia de frutos de uma arcaica lavoura.
Fernando Sabino, por provar que ainda há minas, e mais, despertando o desejo de escrever sobre a arte de escrever sobre a arte de escrever, e assim sucessivamente.
Rubem Braga, por revelar a poesia do cotidiano em simples fatos com enorme zelo estilístico.
Ricardo do Douto e Profano, afinal não custa nada tentar. E também, quem levaria uma lista dessas a sério?