segunda-feira, 28 de junho de 2010

Pequenas visões de ócio e trabalho

No trabalho, em um dia cansativo, pesado, cinzento, do tipo que faz qualquer sujeito se arrepender de ter deixado a cama, mesmo que fosse uma cama de enfermaria, dois funcionários conversam sobre o mal humor da chefe:
-Hoje ela está explodindo...
-Então, nada melhor do que dar-lhe uma boa dose de anti-gases.

Ao ser rotulado como candidato ao prêmio de pessoa mais mal-humorada do mundo, o mal-humorado diz para seu pretenso eleitor acusador:
-Realmente é um mundo pequeno, se bem que o mundo é um lugar cujo tamanho e aparência variam de acordo com a inteligência da pessoa que nele vive, podendo ser assutadoramente grande, minúsculo, belo ou horrível.
-Não entendi. O que isto significa?
-Nada. Deixa pra lá. Sou um cara muito mal-humorado.

O mal-humorado é novamente atacado, mas desta vez por um bem-humorado colega de trabalho, justamente no momento em que tentava instalar a nova impressora em seu computador. O bem-humorado lhe diz:
- Você consegue instalar a impressora? Se eu consegui você também conseguirá.
- Pois é, esta é uma impressora tão simples que qualquer idiota é capaz de instalar.
- Não sou um idiota qualquer.
- Tem razão, você é um idiota que sofre de um caso especialmente particular de idiotice.
- Você deve pensar coisas que não ousa dizer.
- É verdade, a mente humana é mais obscura que o mais profundo abismo na face da terra.
- Não. A mente humana é o mais profundo abismo na face da terra.

Descansando, de pernas para o ar, sentia pena de todos que andavam apressados pelas ruas, correndo para cumprir horários, andando com pastas sob os braços, apressadamente e sem olhar para os lados, apenas seguindo adiante para não perder o tempo importante que era de suas vidas, mas a outros pertencia. Olhou então para o calendário, contou os dias restantes das férias e chorou, depois foi para o quarto e quebrou o próprio despertador. Depois, voltou a observar as pessoas apressadas na rua e riu discretamente, como alguém que rouba um doce e consegue se safar sem ser pego pelo confeiteiro. Sabia que era, no fundo, um sádico.

O entusiasta vendedor de eletrodomésticos diz para o freguês:
- Esta é uma máquina maravilhosa, sem a qual ninguém consegue levar uma vida normal. Realmente, facilita a vida de todos e se presta para todos os tipos de serviço, é muito prática, indispensável, porque tem, tem, tem, tem.... Bem, qualquer pessoa tem que ter.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Entre pérolas e diamantes

Envelheço, cresço, me aperfeiçoo e evoluo. Talvez não, talvez apenas envelheça, já que não estou mais em idade de crescimento e evoluir, atualmente, parece significar apenas andar para a frente ou coisa de escola de samba. Como não gosto de carnaval acho que o tempo passa e adquiro apenas velhice.
Mas se a idade me trouxesse algo além da velhice acho que traria um pouco de paciência, já que desgastada alusão a Jó parece não mais fazer sentido para mim.
Então, das várias pérolas a que sou submetido, tal como várias provações às quais foi também submetido o profeta, nada melhor para tirar um estagnado do estado de estagnação do que uma boa e velha dose de burrice alheia.
Em primeiro lugar, na semana em que perdemos o Saramago, o comentário mais inteligente foi justamente aquele que dizia que o mundo ficou mais burro. Claro, estamos acostumados com esse tipo de perda. Perdemos muitos deles antes mesmo de nascer. No meu caso, posso dizer que antes mesmo de nascer já tinha perdido o Kazantzákis, o Eça de Queirós, o James Joyce (cujo feriado em homenagem a um livro seu foi celebrado há pouco). Tenho idade suficiente para ter perdido o Bukowski e mais recentemente perdi o Salinger.
Mas, sobre a perda do Saramago, meu amigo otário expressou muito bem o sentimento de fazer parte de um ambiente em que a cultura não apenas é desvalorizada, como também é hostilizada (e não, hostilizar nada tem a ver com eucaristia), portanto, nada mais tenho a dizer sobre a passagem do autor, sobre a qual pensei em fazer uma postagem de uma página em branco, simbolizando o vazio que a partida de Saramago deixou para a cultura, mas achei que tal metáfora seria um tanto óbvia.
Em segundo lugar, no dia dezesseis de junho deixei, em um site de relacionamento, uma mensagem dizendo: feliz bloomsday, principalmente aos que sabem o que significa, pelo que fui atacado por várias pessoas que me disseram que estavam a merecer os parabéns, já que tinham recorrido a uma conhecida enciclopédia virtual para descobrir o que signficava. Há de chegar o dia em que a internet não trará resposta para tudo e que a solução de todos os problemas do mundo não será apenas uma superficial leitura de um artigo de meia dúzia de linhas escritas anonimamente e publicadas sabe-se lá como. Daí, pessoas como nós, que mantêm o mínimo de gosto pela leitura (sim, leitura de livros, com páginas, índice, capa, cheiro e peso) darão risada do dia em que aqueles que não sabem ao menos escrever o nome do filósofo que dizia que o crescimento exige sairão a correr pelas ruas, escabelando-se, por não encontrar respostas rápidas para copiar e colar através de um comando no teclado. Não, na verdade este dia não há de chegar, mas pensar a respeito é algo mais ou menos divertido.
Mas, já que falamos aqui de exercícios de paciência, gostaria apenas de dizer que a pérola da semana vem de uma pessoa que me disse que tinha cultura, pois escuta uma estação de rádio especializada em música brega (agro-brega, mais especificamente). Claro, isto pode ser visto como um ato hostil à cultura, mas é, principalmente, um ato de hostilidade aos meus ouvidos. E digo mais: tenho cultura pois não ouço músicas no rádio (para ouvir músicas utilizo apenas meu toca-discos), escuto apenas rádio AM, programas de entrevistas e "a voz do Brasil". Não assito televisão também, além de fazer uso da internet apenas para proferir contra-sensos feito este.
Sigamos, portanto, envelhecendo, aperfeiçoando-nos, evoluindo e colhendo tais pérolas por aí. Aliás, se algum leitor tiver alguma para me enviar, melhor que guarde para si, a menos que tenha valor comercial. Neste caso terei prazer em não publicá-la, como também não dividirei o lucro da descoberta.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Explicações necessárias e desnecessárias

Há os que acreditam que meu apontamento de não-objetivos no blog é uma espécie de fuga, uma tentativa de ficar atras da moita sem assumir compromissos com os textos, sem me engajar.
Mas acho que exige um grande esforço escrever algo sem objetivo. Poderia entrar em uma questão recursiva do tipo: o objetivo é não ter objetivos, tal como buscar inspiração para não ter inspiração e, mesmo assim, escrever textos que inspirem algo ao leitor, seja um leve sorriso, raiva, ou dor no estômago.
Mas a verdade é que tenho consciência da carga que isso traz e do quanto isso pode afetar o modo de escrever por aqui. Quer dizer, não-objetivo é algo como fazer um texto sem que ele esteja algemado a um determinado padrão, uma forma, uma corrente, ou a um determinado assunto. Existem aqueles que falam sobre cinema, ecologia, música, artes, literatura, futebol, videogame. Bons textos, claro, falando dos mais úteis aos mais inúteis assuntos, tal como aqueles que fazem colagem de outros autores e deixam apenas uma pequena assinatura, um comentário ínfimo, como se o autor agradecesse por ter sido lembrado.
Mas o que quero dizer com toda essa dialética desfilada e desfiada nos parágrafos iniciais? Justamente preciso dar uma explicação aos meus leitores, principalmente aos que questionam o apontamento de "não-objetivos" deste blog, de que tenho consciência da ironia e talvez até da contradição que isto pode representar e, não atendo-me ao rigor da forma, sigo escrevendo livremente.
Ou poderiam me perguntar, já que não tenho um objetivo escrevendo aqui, não melhor seria não escrever de modo algum? Certo?
Mas eis que explico onde está a graça disso tudo. Posso fazer um exercício livre de escrita, sem estar engajado a movimento algum, para que possa perpertar um exercício livre tanto na forma como no conteúdo.
Alguns podem dizer que covardemente escondo-me na moita da não objetividade e da falta de propósito para não buscar posicionamento político e ideológico. Mas creio que como toda a literatura é algo pertencente muito mais ao leitor/espectador do que ao escritor/artista, já que quem realmente encaminha o texto para seus devidos lugares é a pessoa que lê e não a pessoa que escreve, e também porque acredito que um texto só é realmente do autor enquanto existe apenas em sua mente (no plano metafísico) e que, quando é posto no papel, está acabado, a criatura ganhou vida, abriu-se caixa de Pandora. A esse(a)s que me acusam de covardia, ou que criticam minha postura não objetiva, ou que acreditam que não tenho conseciência do que está escrito, bem como dos motivos que me levam a escrever, digo: qualquer texto de qualquer pessoa traz em si uma idéia do autor, e não do que ou de quem é o autor.
E aí está a resposta necessária e ao mesmo tempo desnecessária para os leitores. O grande não-objetivo é praticar um exercício de excrita livre para que os (poucos, mas importantes) leitores possam praticar, também, um exercício livre de leitura, pois texto algum é tão carente de explicações, já que manual de intruções é para eletrodomésticos.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Por fora da copa e de outras partes também

Poderia dizer muita coisa a respeito da copa do mundo de futebol. Talvez algumas delas ufanistas, outras críticas ou ácidas. Poderia discursar a respeito da identidade nacional, da motivação política e social, questionar a comoção e a alienação causada pelos esportes, fazendo um paralelo entre a política romana de pão e vinho, ou a representação de uma batalha medival através de um jogo de futebol. Poderia até mesmo dizer algo altamente irônico, tal como fez Rubem Braga com relação à exploração lunar. Mas, querendo tomar parte nos fatos e também para que não venham chamar a mim de antidesportista ou algo parecido, faço justamente o oposto, ou quase.
Tendo em vista que os esportes são uma forma de socializar, e porque também desde cedo participei paralelamente das conversas acerca de tal esporte. Digo paralelamente porque ficava apenas escutando o desenrolar da discussão nas rodas de conversa, imaginando uma forma paralela de me infiltrar por ali, feito aquelas crianças que vão para a praia, mas não têm permissão das mães para entrar na água e ficam lá, paradas, com aquele olhar de quem imagina qual a sensação de estar tomando parte daquilo tudo.
Mas a verdade é que, em uma copa do mundo na qual as maiores atrações e os principais alvos das discussões são o nome da bola e umas cornetas barulhentas de nome esquisito, parece que finalmente tenho autorização para participar da conversa e tomar parte nas crônicas esportivas, para o que dou minha contribuição com um jogo paralelo.
Digo jogo paralaelo porque em qualquer tipo de competição, seja ela esportiva, artística ou de qualquer natureza, sempre escutamos a máxima de que o importante é competir.
Claro que competir não é o mais importante, já que o resultado mais justo parece justamente aquele menos desejado: o empate.
Empatar uma partida significa que nenhuma equipe foi superior a outra, significa igualdade, significa que, apesar de todas as diferenças, no fim das contas todos os seres humanos são iguais. Besteira, claro, já que até os comentaristas esportivos poderiam ficar desempregados, o que poderia gerar uma convulsão social, coisa que já nos deixou a todos fartos (tanto os comentaristas quanto as convulsões sociais).
Então, teríamos os cronistas de futebol comentando, por exemplo, um belíssimo empate em zero a zero entre, digamos, Brasil e Holanda (se assim as possibilidades de cruzamento das chaves permitirem) na final da copa. Bom, melhor não dizer que é uma final de copa, mas sim uma partida qualquer entre o início e o fim do campeonato.
Imagino uma crônica sobre tal partida, que seria assim:
Brasil e Holanda (claro, para os jornalistas brasileiros, o seu país vem em primeiro lugar) fizeram ontem uma belíssima partida qualquer entre o início e o fim do campeonato que, resultou em um placar de zero a zero. O primeiro zero foi marcado pela Holanda em um contra-ataque rápido pela esquerda, mas a bola (jabulani) foi afastada pela zaga brasileira, que apesar de não estar muito atenta, conseguiu afastar o perigo.
A seleção reagiu, marcando um belíssimo zero com uma bola (jamelani) que bateu na trave e nas costas do goleiro adversário, mas foi para fora. A Holanda, não se intimidando com a pressão da seleção brasileira, foi ao ataque, marcando um zero de bicicleta, mas a bola (jambolani) ficou com o goleiro. Foi um ótimo jogo, de belíssimos lances, apesar da Holanda ter marcado um zero bastante duvidoso, quando um de seus atacantes chutou a bola (jambalaia) para o meio da arquibancada, danificando uma das cornetas tocadas pelos torcedores.
Evidentemente tal partida não tem muitas possibilidades de ocorrer, e, se acontecesse, seria de profundo desinteresse para os espectadores, torcedores e jornalistas. E, claro, não brotam pés de milho perto de minha janela.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

E se Salomão estivesse por aqui?

Salomão. Todos conhecem a história das duas mães que tinham um filho que deveria ser partido ao meio por uma espada, mas que foi salvo pela verdadeira mãe que impediu que o guri fosse partido e que, por sua vez, foi recompensada por querer o bem da criança, preferindo vê-la longe de si, mas viva, ao invés de tê-la pela metade, mas morta.
Mas pensemos: e se Salomão estivesse andando por aí hoje, o que diria, por exemplo, a respeito das reservas de petróleo, das riquezas naturais, dos recursos hídricos, da concentração de renda, da saúde, da educação, da dignidade?
Diria algo como: partam ao meio e decidam com qual metade cada um há de ficar?
A respeito daqueles que ficam com a melhor parte podemos perguntar: de que vale a boa música para os que não têm bons ouvidos, e de que vale a boa comida para os que não têm bom paladar, assim como de que valem os bons amigos para os que não têm bom coração e de que valem os bons livros para os que não têm bons olhos e boa mente?
Então, para os ímpios, mais vale uma má musica, uma má terra, má comida, maus livros e maus amigos, já que importa apenas a vantagem que se pode tirar disso. E foi no que se transformou o mundo. Não, o mundo não se transformou, transformamos o mundo em um lugar perigoso para viver, com epidemias, violência, experimentos com transgênicos, agronegócio, ganância, arrogância e má literatura.
Então, digamos que partimos o planeta em dois (não proporcionalmente à necessidade de cada parte) e mandamos ao inferno a saúde do principal objeto envolvido, tal como a mãe que não se importou em ver o filho partido em dois.